O DESLIZE DE DEUS

Qual a duração de um dia para Deus?
Seriam vinte quatro horas apenas,
Ou não há como imaginar o tempo,
Somente porquê Deus é Deus,
Autor e Criador de todas as cenas
E Senhor absoluto do espaço-tempo?

Se não se tem ideia do que seja um dia,
Que dirá de semanas, meses e anos…
Nas contas do Eterno, que nunca teve guia,
Bilhões ou trilhões, números quase insanos,
Talvez ocupassem segundos ou horas,
Vez que para Ele não há atrasos ou demoras.

Então, em um momento, sem futuro, presente ou passado,
Em um triz – que não pode ser medido ou contado
– a explosão eclodiu de modo monumental
Fazendo expandir-se o infinito espaço sideral.
Incontáveis cosmos cravejados de astros brilhantes
Orbitando em galáxias com satélites mendicantes…

Da luz das estrelas e dos sóis – tantos e tantos –
Na escuridão abissal a reluzir seus encantos.
E o Senhor, o Todo, quase perplexo com sua magna obra
Percebeu que, do Espaço, a mais ínfima dobra
Continha um planeta azul quase insignificante,
Mas de tom anilado e de branco vestido,

Preso a uma estrela de cuja luz era suplicante
Que o atraiu com a atenção que outro não houvera tido.
– E Deus achou que isso era bom!
Deu-lhe, então noite e dia, nomeou céu e mar
Na terra, árvores, frutas e animais, além de aves no ar
A visão da Lua, do Sol e das estrelas no céu penduradas

– E Deus achou que isso, também, era bom!
Então criou o homem e lhe permitiu a tudo dominar
Mas o viu sozinho e deu-lhe a mulher para amar.
E achou que não haveria por que neles não acreditar…
Recomendando que se afastassem da árvore do mal.
Não há como saber, por que o Senhor nos ofereceu

Tão poderoso, fantástico e incontrolável aval
A nós, sua criação, homens e mulheres, você e eu…
Talvez, se se pode dizer, meio distraído,
Sem conceber que pudesse ser mesmo traído
Ou que fossemos capazes de gerar tanta crise
O dom do livre arbítrio Ele nos deu.

– E Deus sentiu que aquilo, quiçá, não houvesse sido bom.
Quem sabe, por ter sido o seu único deslize…

Joffre Sandin

PONTO NEGRO

Recebi um vídeo muito interessante, que retrata uma aula em que a professora alerta os alunos no sentido de que, naquela oportunidade, seriam submetidos a um teste, sobre o qual não haviam sido previamente avisados.
Em seguida, a professora deposita folhas de papel com o verso para cima na mesa de cada estudante, advertindo-os de que não deveriam desvirá-las antes de receberem a ordem para isso.
Em ato contínuo, autoriza que o façam. Para a surpresa de todos, não havia qualquer questão a ser respondida, mas apenas um ponto negro assinalado bem no centro da página.
Esclarece, então, a professora aos atônitos alunos que deveriam descrever o que viam naquela folha de papel. Curiosamente, todos se concentraram somente no ponto negro e nenhum discorreu sobre a imensa parte clara que havia ao redor.
Assim é a vida. Em todas as direções, em qualquer situação, relativamente a qualquer pessoa próxima ou distante a nós, atemo-nos somente ao ponto negro de cada coisa, de cada ambiente e de toda gente, com particularidade aos que nos são mais próximos e, por paradoxo, às vezes mais caros.
E tal ocorre em relação aos professores, empreendedores, empregadores e chega a agravar-se no que toca aos pais, os principais educadores. Quando se olha o mundo ao redor, jamais se assume a própria culpa, pois é extremamente difícil reconhecer o próprio erro.
Para adotarmos um segmento social como exemplo, no âmbito das relações familiares, muitos filhos – talvez maioria – nunca pensam no que os pais fizeram para lhes prover guarida, proteção, alimentação (muitas vezes com o sacrifício da própria), ensino e educação. Jamais percebem que os pais, o tempo todo, tentaram azulejar as suas estradas, muitas e seguidas vezes criando atalhos para facilitar o seu caminhar. A intenção, na quase totalidade das vezes, era ajudá-los a vencer sem terem que enfrentar os mesmos obstáculos e dificuldades pelos próprios pais superados. Não há sacrifícios que não sejam feitos por pais extremosos. Não há riscos que não sejam corridos para evitar que os males da existência, exacerbados pelo egoísmo incutido nas pessoas que povoam o planeta, alcancem suas famílias. Tudo isto está contemplado na parte branca da folha!
Não obstante, esses mesmos pais são só seres humanos. Muitas vezes, na constante intenção de acertar, podem exacerbar-se. A permanente obrigação de proteger, às vezes, pode levar ao desconforto da relação familiar. Nasce, em função disso, a necessidade de contestar, de enfrentar, de considerar só os erros e não os acertos dos pais. A experiência vale menos do que a falta dela na gestão da própria vida. Filhos já sabem tudo, assim que saem das escolas, ainda que permaneçam na dependência dos pais. Falta-lhes paciência para o trato e não se esquecem de um único e eventual beliscão ou de uma ausência num jogo de futebol. Não são consideradas noites mal dormidas ou a necessidade de trabalho noturno. E tantas vezes a atitude de falta de reconhecimento e de ostensivo confronto só piora quando filhos de famílias distintas se unem para a constituição de novas famílias. E vai, ao longo do tempo, acontecer tudo de novo. Aí está o ponto negro.
Em todos os sentidos e em todos os segmentos, de um ou outro modo, repete-se a mesma experiência, só se mirando o minúsculo ponto negro e jamais a parte alva da folha. E o mais notável de tudo é que só se percebe isso quando a pessoa sente ser só um ponto negro sem que se note quão brilhante é a sua aura clara.

Joffre Sandin

ACONCHEGO

E aí, a gente se depara com o ar.
Rapidamente, começa a chorar,
Talvez, já de saudade do abrigo
Oferecido pelo amor mais amigo,

Que, na vida se pode encontrar
E sempre e a qualquer momento,
Aflija-nos o mais súbito tormento,
Temos certeza de poder contar.

Tanta coisa linda se pode dizer,
Carinho, calor, luz , proteção,
Coração batendo forte de emoção,

A mão suave sempre a oferecer
Carícia, com braveza ou chamego,
Mãe… Como é bom o seu aconchego!

Joffre Sandin

ENFIM SÓS

Não é possível
E, talvez, nem desejável,
Impedir o avanço do tempo.
E o começo é como passatempo
Até que chegue o momento
Em que se percebe o aumento
Que, na verdade é fomento,
Para o sentimento mudar
Do simples querer
Para um intenso amar…
E a vida se transformar
E, cada vez, ficar melhor.
Um, passa a ser o resultado
Da soma de dois ao quadrado
E o poder de algo maior…
A Amizade incrementando
A vida que vai passando.
E o que sobra não sou eu,
Ao final somos nós
A envelhecer no amor,
Que se acalmou e cresceu
E nos deixou enfim sós…

Joffre Sandin

DE REPENTE

De repente…

A aparência mudou
A força diminuiu
A vida se transformou,
Somou e multipilcou
E o tempo passar não se viu

De repente…

De modo maduro, querer,
Maneira contida de ser,
De falar, de sentir,
Sem escassear o prazer
Nem o ânimo falir.

De repente…

Sabe-se muito mais
Ama-se com consistência
Reza-se com paciência
O sorriso tem mais sabor
As cores do mundo têm mais cor
E se conhece ao certo o que é amor.

Joffre Sandin

COMO SABER?

Como saber o que é a vida, sem viver?
E viver muito. Arriscar, perder e vencer,
Fingir, chorar, invejar, amar e sofrer
E, mesmo assim, avançar e não receber.

De início, tudo é difícil, mas arrebatador
O sexo é intenso e necessário ao amor,
Mesmo no sofrimento, sofre-se com ardor
Paixão, desejo, volúpia gerando calor.

E segue a vida… amar exige u’a mão,
Aquela sempre buscada para a união.
Paixão e sexo parece que toldam a razão
E se afiguram imprescindíveis à relação.

Mas, quanto mais o tempo passa,
Nota-se que o amor não está só no sexo,
Que, na verdade, nada tem de complexo,
Pois afeição e estima a ele trazem graça.

Até as desavenças tendem a purificá-lo,
Como se fora a pedra bruta a lapidar,
Ou ao sentido um constante aperfeiçoar.
A vida em comum o modo de sublimá-lo.

Os seres num constante envelhecer
Tornam-se mais prudentes, é verdade,
E sentem que o sexo é bônus da amizade,
Um doce a se apreciar no entardecer.

Mas, como saber tudo isso sem viver?

Joffre Sandin

ACEITAÇÃO

Prevalece na vida o não!

Ouvir respostas negativas
Não é destino de poucos
Nem é meio de gerar loucos,
Entre pessoas mornas ou ativas.

Nem sempre se tem razão!

Percalços, dissabores são parte
Da rica ou da pobre existência.
Na verdade, são mesmo essência
Do crescer na vida com arte.

Mas, como proteger o coração?

Já soube o Criador protegê-lo,
A ninguém concedeu um só norte,
Talentos acompanham a sorte,
Mas de todos cuida com igual zelo.

Ora, onde estamos nessa multidão?

Somos parte de sistêmica constelação
E prosseguimos desatando os nós
Dos que vieram bem antes de nós
E o nosso único meio… é a aceitação!

Joffre Sandin

A LUZ DA VELA

Hoje, da vela já não nos lembramos
Superada que foi pela eletricidade
Que nos trouxe tanta prosperidade
Com a qual todos nos acostumamos.
Até, se apagões nos tiram a serenidade,
Temos à disposição a tecnologia,
Que a tudo ilumina com energia,
Inclusive a potente luz de um celular,
Para da antiga vela não mais se precisar.

Entretanto, tendo tal pensamento
Aguça-se a minha curiosidade:
Será que ainda tenho uma de verdade?
Busco na memória e me vem o alento.
Esquecida num canto de gaveta,
Acomodada de maneira bem discreta,
Nostálgico, enxergo uma antiga vela.
Então, só para vê-la trabalhar,
Desligo completamente a eletricidade.

Dentro de uma profunda obscuridade,
Me ponho, encantado, para a vela olhar,
Ateando-lhe o fogo que sua luz revela.
Percebo, então, que, ao se consumir,
Clareia todo o ambiente ao redor
Com um lume tênue mas enriquecedor
Feito em luz que aos outros vai transmitir.
Enquanto em seu próprio fogo se esvai,
Seu corpo diminui com a cera que cai.

Então, começo a pensar e pensar
Comparando-a à humana existência,
Como ela, de efêmera consistência,
Mesmo quando no princípio da vida
Sem entender que está vida é só ida
E que só a luz aos outros concedida
Restará para os que puder iluminar
Como dádiva a, no coração, guardar.
Ao final, qualquer luz vai se apagar…

Joffre Sandin

A BENÇÃO

Desde que aqui cheguei
Pela única porta da vida,
Que nesta vida é vivida,
Em outro ser me aconcheguei…

E já senti aquela mão,
A mesma do sim e do não,
Como bálsamo me tocar
E com carinho me abençoar

Pelo caminho, todo o tempo,
Jamais chegando a destempo,
Fazendo-me sempre sentir,
Que não precisava pedir.

Mesmo assim me acostumei,
Estando longe ou perto,
Com muito prazer, é certo,
No tempo que com ela passei,

A falar com aquele coração
Que mesmo ao parar de bater
Vai comigo permanecer
Ainda que em nova dimensão.

Vá , Mamãe, vá com calma
Deixe flanar sua alma
Ao encontro do Criador,
De onde me enviará o calor

O mesmo que sempre pedi
E que toda a vida recebi
Quando, beijando sua mão,
Dizia: Mamãe, sua benção!

“Bença, Mamãe”.

Joffre Sandin

INVEJA

É possível se poder saber
Se o que no coração se trás
Vendo coisas boas, aliás,
Mas que fazem no fundo sofrer,
Já que estranhas aos próprios acervos,
Qualidades e predicados alheios,
A testarem, no íntimo, os nervos,
A gerarem ciúme e receios?

Trazer uma espada no peito
Só porque seja outro o autor
Do que é belo ou que não tem defeito
Ou sucumbir à melhor aparência,
Que provoca lá dentro uma dor
Destruindo toda a paciência,
A inveja corroendo a razão
Sem amor a servir de lição…

Joffre Sandin