O OUTRO LADO

“Espero que a minha ousadia ao publicar esta obra encontre o respaldo dos leitores, que ela desperte o interesse pela poesia, pela música, pela pintura, pela arte enfim, mas principalmente pelo resgate de nosso, hoje, tão maltratado idioma”

 

Dedico à Liliana

“Tu, mais que musa, foste sina

E, acima do amor, és lírico encanto!”

aos filhos e neto

“Gerar filhos é soma de amor,

E o resultado da operação?

Ser avô…

O que é pura paixão!”

e aos meus amigos

“Inda que a vida – que passa num instante – separe caminhos ao longo da estrada, amigo é o amor sem motivo e sem nexo”

 

 

Apresentação

 

Ao me dispor a publicar este livro assombrou-me uma pergunta: como possibilitar aos leitores o entendimento das poesias que escrevo, já que elas guardam profundo liame com o que sinto, penso e vejo, são pedaços da minha personalidade colados às coisas, atos e fatos da natureza e do cotidiano, transformadas em leitura, enquanto o hábito literário não é mais tão comum, nessa era da “Internet” e no ambiente quase desumano forjado pelo egoísmo coletivo, que ora atravessamos?

 

Optei, então, por criar uma narrativa esclarecedora, que não se trata de uma autobiografia, mesmo porque não há em mim nem a mais remota pretensão de merecer qualquer estudo biográfico, ainda que realizado por mim mesmo. Trata-se, só e tão somente, de uma descrição mais ou menos ordenada de explicações sobre motivações das poesias por mim colhidas em meu acervo para compor esta obra  e a razão de sua própria existência.

 

Na verdade, num mundo cada vez mais materialista e menos romântico, onde os jovens estão preocupados em trabalhar intensamente após terem se preparado em escolas de graduação e pós-graduação, tanto no Brasil quanto no exterior, em busca dos sonhos de sucesso que nós mesmos, como pais, professores ou, de qualquer outro modo, paradigmas, lhes incutimos e, por essa mesma razão, distanciando-se ou abdicando de melhor qualidade de vida, sendo explorados por empresas nacionais e multinacionais (conceito mais e mais difícil de identificar), perdidos que estão em “market share’s”, “brake even’s”, “ebtida’s” e etc, a sensibilidade para o lírico, o poético, o melódico, o emocional, seja no campo da música, das artes plásticas ou, muito mais fortemente, das letras, sempre me pareceu ter quase que desaparecido.

 

E sinto que a responsabilidade é realmente nossa. Sem nenhuma chance de errar, assumo a certeza de que a maioria absoluta da população brasileira atual, excluída uma parcela não muito considerável da minha própria geração, jamais aprendeu adequadamente a ler poesias, sejam rimadas ou não, limitadas pela métrica ou não.

 

Raramente ou nunca se lhes ensinou que poesias são expressões artísticas, com ritmo, melodia, compasso, que devem ser declamadas e não simplesmente lidas, pois retratam a captura que o senso do poeta faz do que vê, do que ouve e do que vive só por existir em um planeta chamado Terra, insignificante grão de areia no Universo, mas que, ao lado da tristeza, do desconforto, do desespero, conserva, igual e paralelamente, a alegria, a beleza, a fé.

 

Ultimamente, todavia, em conversas com muitos amigos, a maioria na minha faixa de idade, mas, para minha muito agradável surpresa, também com alguns jovens, percebi crescente interesse nessa forma tão significativa de arte que é a poesia, aliviando um pouco a nossa culpa pelo que estamos deixando para o futuro.

 

Para meu entusiasmo, fui instado, várias vezes a declamar algumas (para mim modestas) peças de minha autoria, percebendo o agrado que causava  nos circunstantes e como conseguia despertar entre eles o desejo de revelarem seus próprios modos de descrever poeticamente a vida.

 

Os elogios de minha mulher, musa constante de meus versos, que, por isso mesmo, sempre considerei parciais, conjugados com os de amigos e familiares, aos quais também atribuo uma grande parcialidade, estimularam-me a publicar este livro, mesmo sem saber realmente se tenho méritos para fazê-lo.

 

No entanto, é a minha contribuição, se não for missão, no sentido de tentar tornar mais amenas e suaves as agruras da nossa própria trajetória diária, quem sabe auxiliando as gerações de nossos filhos e de nossos netos a tornarem mais humana a vida neste santuário terrestre, que insistimos em destruir.

 

Nesse passo, a minha intenção é ir introduzindo ao longo desta narrativa, sem observação de ordem cronológica, algumas das poesias que produzi, buscando explicar-lhes a razão de ser e porque brotaram de minha mente naquele momento, ainda que persista em mim dúvida constante, a mesma que chegou a assombrar o Príncipe da Dinamarca, na peça “A tragédia de Hamlet”, de William Shakespeare: “ser ou não ser (e, aqui, eu acrescento: poeta), eis a questão”.

 

Não obstante eu sinta que consigo construir algo de cunho poético,  num estilo próprio em que mais me sirvo de métrica livre, não alcanço a certeza de que seja, realmente, poeta. Mas, acabei cedendo aos anseios de minha mulher e dos amigos e, ao me decidir sobre esta publicação, manifestei minha titubeante decisão nessa poesia…

 

 

Joffre Sandin

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Parte 1 – Infância

 

 

 

 

 

 

 

 

“Venha conhecer a vida

Eu digo que ela é gostosa”

(Caetano Veloso)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Embora duvidando de minha capacidade poética, desde o princípio da adolescência, o que pensava era traduzido em versos. E fui vivendo e me envolvendo cada vez mais intensamente com a vida…

 

COMECEI A ESCREVER

 

Comecei a escrever…

Não sei se tenho pendores,

Mas tenho história

E pendurados em minha memória,

Muita vida, algumas dores, grandes amores.

 

Comecei a escrever…

Quero do singelo me lembrar,

Do pobre, do remediado, do rico,

Do reto, do falso, do mico,

Do sujo e também do limpo,

De viver quero falar.

 

Comecei a escrever…

Não sei se sei,

Mas quero tentar!

 

 

E essa dúvida emergiu forte quando, há alguns anos, estava eu convalescente na UTI do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, logo após uma intervenção intracardíaca na qual um “stent” fora introduzido em meu coração por meio de angioplastia, desobstruindo uma coronária com bloqueio de oitenta por cento do fluxo intra-luminal sanguíneo. O “ stent” recuperou-me a saúde fazendo-me refletir com muito mais profundidade sobre a nossa existência e a sua própria efemeridade. Ali eu percebi que, na verdade, a arte é a própria vida e tudo que nos cerca nesta passagem terrestre.

 

Ela está à frente e, ao mesmo tempo, no interior do pintor, do escultor, do músico e, também, do poeta, os quais só fazem captá-la e materializá-la com seus dons, para que seus próximos possam compartilhá-la.

 

Naquela sala, onde outros sofriam, certamente, mais do que eu, assomou-me, repentinamente, o desejo de escrever sobre o que acabo de narrar, motivo pelo qual solicitei aos enfermeiros que me fornecessem papel e caneta para que pudesse fazê-lo, nascendo assim a formalização da minha incerteza sobre ser ou não poeta. Denominei-a, consequentemente…

 

 

NÃO SEI SE SOU

 

Olho ao meu redor, reflito, mas não sei se sou…

 

No céu, na terra e até no chão,

Donde brota a água que o morro desce,

Cortando valas, rasgando o vão,

Rompendo fendas, caudal que cresce

Sem resistência sempre a buscar

As águas verdes do azul do mar.

 

Vida lutada por ser vivida,

É luta ganha ou é perdida.

Beleza vista com alegria,

Tristeza pura que é nostalgia,

Na rua crua dos deprimidos,

Que os torna frios – até bandidos.

.

Do sofrimento que é emoção

Da ternura aflita do querer em vão,

À sensação incrível do sentir amor,

Inda que às vezes lacerante dor,

Mas que, atrevida, conquista a alma,

Destruindo o senso, o zelo, a calma.

 

As cores, os sons, os bons e os maus,

Obstáculos, barreiras, estorvos, degraus,

Caminhos retos, tortos ou com desvios,

A se percorrer serenos, ou aos desvarios,

Assim escolhemos os nossos trilhos

E neles crescem os nossos filhos.

 

E, como vemos, já tudo existe,

De nada importa se alegre ou triste,

A arte é viva e à frente está,

Em qualquer ponto… Aqui ou lá,

É só o homem que a quer achar

Saber ver, saber sorrir e saber chorar.

 

Mas, dentre eles, há o que sente

Em cada coisa, vida ou mente,

Tudo que emana da dor profunda,

E o que emerge do amor que inunda

A alma que é aura do que é ser

Humano herdeiro de aqui viver.

 

Aos mais sensíveis Deus deu os dons,

Pra extrair da vida os sons,

Somando notas, enchendo pautas,

Em suas mentes as melodias.

Alternam acordes em sinfonias,

Navegam músicas de que são nautas.

 

Outros, então, do mundo as cores

Prendem nas telas em seus matizes,

Com seus pincéis e seus pendores,

Dão vida à vida, criam raízes,

Tiram do tempo os elementos,

Pintam a lida em seus momentos.

 

E os poetas…O que eles fazem?

Juntando letras, palavras, frases,

Escavam o íntimo do que existe,

Lá encontrando o que é triste,

Desde o complexo dos incapazes

Ao orgulho tolo que os tolos trazem.

 

Com o amor produzem versos,

Muitos sofridos se de amor reversos,

Rima constante de uma paixão

É, quase sempre, uma traição.

Amam e odeiam em fantasia,

Sentimentos gêmeos numa poesia.

 

Mas como expor sem ter receio,

Tudo o que sinto em devaneio,

Tudo o que explode em minha mente,

O que flutua num mar ardente,

Das coisas da vida, que a vida mostrou,

Do sentimento puro que ainda restou?

 

Só mesmo tentando ser o que não sei se sou.

 

 

Com a cabeça mais aliviada após ter escrito esta ode, lembrei-me de toda a minha saga, desde o momento em que vi, no resultado da angiotomografia coronariana que detectara o meu problema e que, além do laudo escrito, exibia imagens quase tridimensionais do meu coração, até a minha chegada à UTI depois de concluído o cateterismo por que passara durante duas horas.

 

Importante realçar que, ao longo de toda a intervenção, o paciente deve permanecer acordado e conversando com os médicos, que, só assim, podem acompanhar as suas reações. O procedimento fora levado a cabo por dois jovens médicos especializados em angioplastia, assistidos pelo meu cardiologista já cinquentão, que me acompanha há trinta anos, os quais, para manter-me acordado, permaneceram conversando comigo, contando piadas, mentiras e verdades reciprocamente, enquanto me solicitavam que desse notas de um a dez para as dores que as manobras intra-coronarianas provocavam. Dai resultou…

 

 

 

A REFORMA

 

De repente, a foto de um coração…

Parece vivo, de tão perfeito,

Sua cor vermelha dá a dimensão,

Do amor que pode caber no peito,

Mas algo ali não vai bem não…

Uma coronária está com defeito.

 

Que susto! Será? O que fazer?

Era  verdade, dúvida não havia

Tão clara a imagem que a máquina fria

Levara o médico a descrever:

– Obstrução do fluxo intra-luminal,

Devemos ir para o hospital.

 

A disfarçar minha agonia,

Brincava eu com os dois meninos,

Que, expertos, usavam a tecnologia,

Sob os olhos atentos, quase felinos,

Do antigo mestre ali presente,

Amigo constante e competente.

 

E entre piadas e anedotas,

Frases jocosas, algumas lorotas,

Rasgaram um cano na inguinal,

Por ali passando o material,

Que qual vassoura me varreria,

Toda a gordura que na veia havia.

 

Pra completar, ainda fariam,

Pelo buraco que em mim abriam,

Entrar a mola que impediria

Que aquela veia que me maltratava,

E que a intervenção recuperava,

Voltasse a encher de porcaria.

 

Dez, nove, oito… até chegar a três,

Eram as notas que eu dava,

À dor no peito que eu sentia,

Enquanto a equipe ali trabalhava,

Minorando sempre a cada vez,

Que uma vitória se conseguia.

 

As hábeis mãos da meninada,

A trabalhar no caminho estreito,

Foram cumprindo sua missão:

Da placa dura não sobrou nada,

Deixaram novo meu velho peito,

Emocionando o quase ancião.

 

São dois moleques e um cinquentão

Que reformaram meu coração,

Com competência e maestria,

Sem se esquecerem da alegria,

Tornando novo o que era antigo,

Fazendo de mim, pra sempre, um amigo!

 

 

A minha paixão pela vida no campo levou-me a ter, ao longo da vida, algumas propriedades rurais, onde sempre criei cavalos e cães. Dentre os muitos que tive, todavia, dois tiveram especial significado para mim: um garanhão de pelagem dourado-acobreada chamado Alazão (o mesmo nome pelo qual a pelagem é conhecida entre os criadores), que comigo permaneceu vinte e seis anos, até morrer dignamente no pasto do haras que possuo, e um pastor alemão chamado Hulk, exemplo único de inteligência, fidelidade e lealdade, que acabou por falecer aos nove anos na minha sala de trabalho em São Paulo. Grandes passeios realizei montando o Alazão e tendo a companhia do Hulk, verdadeiros e excepcionalmente queridos amigos, que

mereceram que eu, entre lágrimas, lhes dedicasse uma singela e inocente poesia escrita em linguagem interiorana, ou caipira, como queiram, que denominei…

 

A TRINCA

 

        

Amigos leais, dois tive na vida:

Achei o primeiro marchando na estrada,

Inda potro que era trazendo no lombo

Um bom professor, um bom cavaleiro,

Que a ele ensinara os primeiros passos.

Os truques, os dengos, o galope da lida,

De novos traquejos precisava mais nada.

Já tinha a sabença de que erro faz tombo,

Sentia o perigo até pelo cheiro,

Coragem, vigor e medos escassos.

 

Coração salteando, amor de primeira,

Cavalo de cobre minha vista encantava,

Jogava pros lados as patas dianteiras,

Seguindo seu rumo cabeça empinada,

Levando no arreio vaidoso peão.

E agora lhe conto uma história faceira

De como encontrei ali mesmo onde estava,

Na beira da via, comendo poeiras,

Do meio do pó, brotando do nada,

A cruzar meu caminho o meu garanhão.

 

Enquanto o ginete mal se mexia,

Meus olhos seguiam o lindo animal.

Soberbo, altivo, com toda nobreza,

Pra mim caminhava, as ventas soprando,

Me olhava, me via, bulia comigo…

Quanto quer, camarada, pela montaria?

Pedir muito, aceito… nem caro faz mal,

O cavalo é meu, com toda certeza.

Agradeço ter dele ficado cuidando,

Mas ele nasceu para ser meu amigo.

 

Daí para diante ficamos unidos,

Ao longo do tempo nunca nos separamos,

Andamos, corremos, até encontrar,

A quem só faltava a nós se unir,

Amigo canino fechou nossa trinca.

Ao ver lá na toca os cães escondidos,

Dos dois da ninhada que nós apartamos,

Um logo mostrou que queria me amar,

Pulando, brincando, deitou a latir,

E se ofereceu… Co’amor não se brinca.

 

Leal e fiel, herói companheiro,

Bastava o carinho da minha presença,

Seguia meus passos por onde eu ia,

E juntos vieram com muito carinho

Adornar meu destino, o Hulk e o Alazão.

Durante suas vidas os amei por inteiro,

Mas já me deixaram, só resta uma crença,

Formaremos de novo nossa trinca um dia,

Nos prados etéreos, em novo caminho

Num galope feliz, eu, meu cavalo e meu cão.

 

 

Bons professores de Português despertaram-me o interesse pela construção de textos poéticos a partir da observação do ambiente, do dia a dia, da natureza, das relações humanas e, sobretudo, das percepções emocionais, a tal ponto que, aos doze anos, ousei, dentro dos meus limites de pré-adolescente e inspirado pela primeira e mais óbvia musa que todos temos, homenagear minha mãe com a minha primeira e ingênua poesia…

 

 

MÃE

 

Palavra doce, fácil de pronunciar

Palavra singela que exprime amor,

Amor de mulher, sim,

Amor de mulher por algo que é seu,

Amor sublime de alguém que ama

O fruto de suas entranhas,

O fruto que lhe rasgou o seio,

Para ter a luz.

Fruto que é toda sua alma

E que é um pouco do seu ser.

Mãe, que não é simples palavra,

Mas uma existência,

A existência mais sublime,

Que Deus pode criar.

 

 

Trouxe esta poesia a este livro (melhor seria chamá-lo livreto?), não obstante a sua simplicidade e inocência, por que, realmente, foi a primeira que fiz e uma das poucas daquele tempo que foram guardadas. Mas, não pretendo seguir uma ordem cronológica entre as que escolhi para trazer a esta despretensiosa obra.

 

E aqui é preciso destacar que, a partir dos doze anos, muitas foram as poesias que fiz e que, por não me preocupar com a sua memória, acabaram se perdendo. Ainda com a mesma motivação e igual ingenuidade de versos, talvez, pouco mais tarde, ainda restou…

 

HOMENAGEM ÀS MÃES

 

Enquanto a rosa perfuma as mãos de quem a despedaça,

U’a mãe banha com lágrimas de amor

Os desgostos causados pelos gestos impensados

De seus filhos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Parte 2 – A musa

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“Na minha mão o coração balança

Quando ela se lança

no salão”

(Chico Buarque)

 

 

 

 

 

 

Como adolescente e jovem romântico e, por esse mesmo motivo, muito atento aos predicados do sexo oposto, muitas vezes me servi de versos rápidos, criados improvisadamente e inspirados em musas ocasionais, invariavelmente, passageiras, mas sempre na busca de conquistas, vez que, naquela época, todas as moças apreciavam os ditos poéticos.

 

Abençoado por uma habilidade acima do comum para dançar, dela tirei proveito igualmente no âmbito da sedução, posto que, da mesma forma, as meninas, quase sem exceção, sabiam bailar e prezavam a dança de salão.  

 

Da valsa ao tango, eu conseguia dominar todos os ritmos e com isso tinha a chance de escolher as mais belas jovens e ser por elas aceito, durante os bailes que, fossem de formatura, de aniversário de quinze anos, de debutantes, eram constantes naquele tempo.

 

E foi assim que eu conheci a melhor parceira de dança que já tive, a mais bela mulher, mais linda alma que a Providência me proporcionou e que acabou por se tornar a inspiração constante para os meus poemas e, até hoje, dona do meu coração.

 

Para ela foram os mais românticos (talvez, literariamente, os mais ingênuos), desde os primeiros, sempre motivados pelo amor e a admiração, como este, também singelo e inocente, escrito no verso de um cartão de visitas de estudante ao lhe presentear com  uma orquídea, mas brotado de um peito perdidamente apaixonado…

 

 

AMOR LILIANA

 

Tudo o que de singelo tem a rosa,

Tudo o que de belo tem a orquídea

Reuniu-se em um nome de flor,

Flor que é mulher,

Mulher que é amor,

Amor que é

LILIANA

 

 

Na sequência, o jovem sonhador, cada vez mais encantado e, como sempre, em dúvida sobre os seus eventuais dotes de poeta, buscou homenagear a musa com a poesia que transcrevo, inclusive, com a ressalva em parênteses atirada no momento da entrega…

 

 

PRINCESA, EU TE ADORO!

(Quero deixar claro que eu nunca fui um poeta. No entanto, o que você vai ler em seguida veio de dentro do meu coração e, sem qualquer retoque, eu transpus para o papel)

 

Ontem estive a pensar:

O que seria de alguém,

Sem outro alguém na vida…

Que beleza teria o luar?

E a flor que beleza teria?

 

Ontem estive a pensar:

Que triste seria esse alguém,

Sem outro alguém na vida,

Alguém que chorasse de dor

Em véspera de despedida.

 

Ontem estive a pensar:

Que sorte eu tenho querida

E a Deus agradeci a ternura

De me proporcionar a ventura

De ter você em minha vida.

 

 

No entanto, pouco tempo depois, ao perceber que estava perdidamente apaixonado e, em função de minha personalidade aventureira, pressentir que os meus dias de conquistador estavam completamente comprometidos, cometi uma maldade que, até hoje, me faz sofrer quando me lembro, rompendo o namoro, que começara pouco tempo antes.

 

Contudo, antes do final daquele ano, por um estratagema muito bem montado por ela, voltamos ao namoro que ainda perdura. Dai resultou esta poesia…

 

PRINCESINHA

 

Um ano se foi…

Com que tristeza me lembro,

Como sofri por te magoar.

E me esforço para não pensar,

Pensar que um dia, de noite,

Após muito meditar,

Tornei minha fala um açoite,

Fiz dela uma adaga vulgar

Para o teu coração machucar.

 

E choro…

Choro por não saber como dizer,

Se naquele dia eu a fiz sofrer,

Quem sabe se para evitar

Que viesse nosso amor a morrer.

 

E agora…

Sim, agora apesar do que fiz,

E ainda daquilo lembrares,

Princesa, tu me fazes feliz.

 

Mas eu hei de fazer-te esquecer,

Procurando de alguma forma tirar

Das flores o olor e a beleza,

Das cores o esplendor do matiz,

E com eles tua vida adornar.

 

Jamais me cansar eu irei

De clamar, de pedir, de chorar:

Princesinha, perdoa-me…

Pois se vivo é só pra te amar!

 

Muitas outras poesias vieram depois, já que seus olhos negros e brilhantes, como jamais vi outros na vida e —  para não contrariar a minha personalidade “donjuanesca”, posto que seria injusto não revelar — também e especialmente seu rosto de anjo e corpo de sereia, acabaram por me escravizar totalmente, ao ponto de me manter cativo até hoje e cada vez mais enamorado.

 

Entre elas, penso que algumas merecem ser lidas, como a próxima, entregue com um “bouquet” de flores, como um pedido de perdão por algo errado (acho que eu me esquecera de chamá-la por telefone) que eu houvera feito.

 

ARREPENDIDO

 

Passou uma hora inteira.

Passou uma noite inteira

E nem quando o dia chegou,

Os pássaros cantando alegria

Em manhã de pura magia

A voz esperada a chamou.

 

A voz esperada era a minha

Que se tornara mesquinha

Tão cheia de egoísmo estava,

Que nem por instante lembrava

Da lagrima a rolar sozinha,

Angustiando teu coração.

 

Ora, arrependido e tristonho,

Procuro apagar o mau sonho,

Mesmo sabendo em meu íntimo,

Quão ínfimo pode ser neste átimo

O lamento que ora te exponho

E que talvez não mereça perdão.

 

 

Ou este outro soneto feito em razão do esquecimento de um Dia dos Namorados — e, posso assegurar sem nenhuma dúvida, o único durante todo o nosso longo convívio. Embora não lembrado de manhã, ainda assim, o foi na própria data…

 

 

 

DIA DOS NAMORADOS

 

Esqueci, pra falar a verdade,

Não lembrei…. Como saber por quê

E não posso invocar a idade,

Já que em ti toda a vida me vê.

 

Parabéns, tantos dias passados,

Todo dia é seu dia, amor,

Mas, perdoe, se por leve torpor,

Perdi, justo, o dos Namorados.

 

Por vencido, jamais vou me dar,

Disfarçar não é coisa que eu faça,

Em direto, só te quero falar

 

Como é bom teu olhar me dizer,

Ternamente, sem rancor ou pirraça:

– Te perdôo, mas é bom aprender!

 

 

E mais esta, que revela uma certa possessividade a que estou permanentemente submetido, vez que, mal-acostumada, ela exige assíduas e constantes demonstrações de amor…

 

NÃO BASTA REGAR…

 

Não basta regar… precisa inundar.

Pranto é sinal, é lamento acenado,

Pela flor mais fácil de amar,

Ao coração por ela aprisionado,

 

Querida que é… A mais exigente,

Nunca por ser de amor carente,

Dona e senhora de toda a atenção,

Envolve em encanto o pobre varão.

 

Não basta regar… É o que ela diz,

Fazendo beicinho, parece infeliz.

Humilha o cativo de seus olhos brilhantes,

De onde, por feitiço, brotam líquidos diamantes,

 

Luzes ardentes de intensa magia,

Fazem o escravo recusar alforria,

Posto que o álveo das lágrimas da flor

Nasce do âmago de seu imenso amor.

 

 

Algumas vezes, um simples almoço, fosse ou não no Dia dos Namorados, culmina por despertar-me improvisada carícia que, quase sem perceber, converto em poesia, como é o caso desta que foi escrita rapidamente num guardanapo de papel, há poucos anos:

 

NAMORADA

 

Navego no mar desta vida,

Ainda que nave não tenha,

Mas só de sentir-te, querida,

Onda linda do amor que me venha,

Rara pérola a ornar minha senda,

A mais cara paixão que conduz,

Dando força qual seja a contenda,

Afinal, dos meus olhos és luz!

 

Mereceu minha musa preferida inúmeras outras declarações de amor traduzidas em escritos, ofertados em datas marcantes ou, simplesmente, à guisa de carinho indelével. Por exemplo, este, que relembra o meu prazer ao abraçá-la a dançar…

 

NOS TEUS BRAÇOS

 

Um som, mais um e outro mais

A soma, o tom, a harmonia…

Da alma para a história e seus anais

A música, Divina parceria

 

Que envolve, aconchega e alicia

Homem, mulher… lá fora a lua

Corpos, corações e a melodia

Dentro, pelo salão o amor flutua.

 

Dançar não se aprende, conjuga-se

Se a musa enfeitiça e inebria

O toque, o perfume e inunda-se

O peito do condutor… é alegria.

 

Um sonho, um devaneio, a sensação

Nas voltas, nos compassos a vida,

Teus olhos, teu respirar… uma canção

Amaste-me, sempre a dançar, querida.

 

 

Ou ao homenageá-la, como efetivamente merece, em um Dia Internacional da Mulher…

 

INTERNACIONAL

 

É natural, é sobrenatural!

No amor é transcendental,

Abriga o bom… suporta o mal.

E até na dor é fenomenal,

Da perda faz bem, da doença, a cura real.

E luta, e cai, mas levanta e vai…

Como ela, ninguém tem força igual.

Escolhida, gera a vida, produz o ser

E, num milagre, se dá por inteiro

A todos e a cada qual.

E, além de tudo, nada influi a cor,

A raça, nem mesmo a condição social.

É linda, é brava, é mansa, é suave,

Não importa aonde vá,

Não importa onde viva,

É mulher… E isto é internacional.

 

Ou, ainda, a poesia que revela a sua permanente conduta como criadora de empresas, construtora de negócios, organizadora de equipes, competente, calma e constante orientadora de todos que a cercam, alma acolhedora e verdadeira professora…

 

PROFESSORA

 

É uma mulher

Jovem, pequena, formosa,

Às vezes brava, outras dengosa.

E, no entanto, é forte,

Obstinada – sabe o que quer!

 

Mas, quem é essa mulher?

É a mãe que gerou filhos,

Construiu um lar

E, agora, vai perseverar,

Para, do nada, uma empresa criar.

 

Não importa o tamanho

Do obstáculo a transpor,

Tudo que faz é com muito ardor,

Leite de pedra ela sabe tirar,

E sempre pronta a montar um novo rebanho.

 

Mas, o que fez essa mulher?

Construiu um abrigo…

E para muitas famílias.

Acolheu o distante e, também, o amigo,

Que do albergue sustentam filhos e filhas.

Tal qual a pastora

A cuidar das ovelhas,

A nenhuma quer ver apartar-se das outras,

Sejam novas ou velhas,

Seja negra ou loura.

 

A todos atende com muito carinho,

Dissipando dúvidas, mostrando o caminho.

Não há hora nem tempo para tal lutadora,

Jamais desviou-se de seu nobre destino,

Com ela aprendemos – é encantadora.

 

E agora tecemos esses versos de um hino,

De tantos alunos sincera homenagem,

Àquela que é e sempre foi  vencedora,

Alma dourada, conselheira e pajem,

Exemplo de vida… querida professora!

 

E há esta outra poesia, que na minha pretensão é lírica e, como sempre pretendi, foi transformada em canção, musicada por meu parceiro Nilson Ribeiro…

 

 

QUEM ME DERA EU PUDESSE…

 

Quem me dera eu pudesse…

Nessa vida tropeçada

Tendo tanto ou mesmo nada

Do caminho que ela desse

Conhecido um pouco mais.

Quem me dera eu pudesse…

Ter da dor colhido a lágrima,

Que de amor foi derramada,

E de fascínio ou por mágica

Em cristal ver transformada.

Quem me dera eu pudesse…

Esquecer o que é mágoa

Tendo vida a cada dia

Só amando e sendo amado

Quem me dera eu pudesse,

Nessa vida tropeçada,

Ser seu único pecado.

 

E também mais esta, na verdade  uma descrição do momento e da forma como me rendi aos seus encantos e lhe pedi em namoro, ao som da música, com ela em meus braços e, leve como pluma, a dançar pelo salão.

 

 

SALÃO DE BAILE

 

Vozes, burburinho, fumaça e perfume,

Um olhar… E o jovem o pedido assume:

Quer dançar?

E a música, cumplicidade divina,

Os passos do menino conduzindo a menina,

Ao abraço começa a embalar.

 

Dois pra lá, dois pra cá,

Coração contra coração… Calor adolescente,

Passe de mágica, paixão incandescente:

Quer namorar?

Tremem os joelhos, o momento ali está,

Não dá pra esperar.

 

Ansiosos e trêmulos,

Calor, suor, inebriante melodia,

Deslizando superam êmulos,

Almas a se reconhecer… Que alegria!

Num repente, vidas a se entrelaçar:

Já antes viveram e, como gêmeos, vão recomeçar…

 

E acrescento este soneto que fiz mais recentemente, num momento em que, contemplando-a, admirava a sua beleza, que nada mudara e só enriquecera, e que, enfim, me envaidecia…

 

SONETO

 

Como prender nestas linhas

Os versos que agora cometo,

São letras e frases só minhas,

Espremidas num curto soneto.

 

Lembrar da beleza de outrora,

É fácil, pois nada mudou,

Trouxestes as cores da aurora,

A iluminar o que de mim restou.

 

Teu jeito e teu sabor de menina

Conservas como plácido manto

E a minha hoje fraca memória

 

Não olvida de que nessa história,

Tu, mais do que musa, foste sina

E, acima do amor, és lírico encanto!

 

 

Igualmente, jamais poderia deixar de louvar um de seus principais predicados: o sorriso. Sempre constante e luminoso, acariciante benção para mim, para nossos filhos e netos e para todos que dela se aproximam, impressionou tanto ao meu falecido pai que, a ela se dirigindo, não se cansava de dizer: –Deus te conserve o sorriso!

 

TEU SORRISO

 

De repente, a luz clara,

As cores, reflexos… brilha a calma,

Pulsa um quasar, batendo lento

E as coisas que não vejo, apenas sinto

Tocar aquela luz ainda tento.

A mão, percebo, não a alcança

Lume, clarão, fulgor intenso,

É mais que chama…

Pois chama amor imenso.

 

O toque, o calor, o gosto aceito

Em meus lábios da luz etéreo mel

Que brota de tua boca, o lindo céu

De astros brilhantes e contidos…

Da alma a fé, a força, a energia,

Teu sorriso a mais bela alegoria

Para Deus, que em face dos pedidos,

O conserva, acalenta e acaricia.

 

Mesmo quando algo nos oprimia, quando os obstáculos se afiguravam mais altos do que nossos saltos podiam ultrapassar, em momentos nos quais fomos traídos e quase nos desesperamos, ela sempre manteve a força, a esperança e a fé. Por isso sempre foi vencedora, o meu esteio…

 

TROPEÇO

 

E se eu tropeçar

E chegar a cair…

E se o medo chegar

E vier me oprimir…

E se eu não enxergar

E minha força falir…

 

Onde vou me apoiar,

Que caminho seguir?

Já começo a chorar,

Mas não vou desistir…

É preciso lutar,

É preciso insistir…

 

E eu quero vencer,

Superar meu temor…

Sei que ainda vou ter

Muito chão, muita dor…

Mas o mal vou romper,

Com a força do amor…

 

Que em ti, posso crer,

Buscarei, minha flor!

 

Outra ainda só para ela, vai no mesmo sentido…

 

VALENTE

 

De onde vem tanta força, capaz de fazer rir, e de sorrir,

Entre lágrimas,

De transformar sofrimento, que machuca e corroi,

Em graça,

De não lamentar, agüentar sem gemer e, ainda, suportar,

Mesmo a dor lancinante?

 

É pendor da alma, é dom do espírito, capaz de extrair,

De dentro das lágrimas,

O atributo do ser, escolhido por ser o que não sente que dói

O mal que se lhe faça.

É o centro do mundo, o coração de mãe, pronta a dar

Amor puro e aconchegante.

 

Brava, persistente, guerreira mesmo, que não para de ir,

Ainda que em lágrimas,

Prosseguindo consola aos que por ela sofrem, e constrói…

E ergue a taça,

Pra todos que a querem, que a amam de muito amar,

Ninguém é mais forte, nem mais amante…

 

Além de valente!

 

 

E há mais esta, tantas são as facetas que ela me revela em um instante quantas são as poesias que brotam…

 

VITORIOSA

 

Nada foi fácil, nem mesmo o começo.

Levanta e avança a cada tropeço,

Sofrer não a intimida,

Só vale a esperança,

O futuro, a vida …

O resto é lembrança.

Não há obstáculo, nem dor

Ou revés que a vença,

É forte, é viva, é linda, é cor,

É luz, é amor, é paz e é crença.

Prossegue com garra, é pura labuta,

Não verga, não cai, não foge da luta.

A tudo resiste

E a todos alenta,

Nunca desiste,

Mamão com pimenta.

Exemplo de fibra,

Encantadora e poderosa,

Com tudo ela vibra:

É sempre a vitoriosa!

 

Com e apesar da doçura, existe nela uma personalidade forte, extremamente, teimosa, que a leva ao domínio de todas as muito raras e sempre rapidamente superadas discussões, o que obriga este súdito à repetida submissão.

 

INEXPLICÁVEL

 

Inexplicável!

Tudo vai bem

E, inesperadamente,

É discussão…

Como se só ela me amasse

E eu a ela não…

 

Inexplicável!

Como pode ser,

Como pode acontecer?

É confusão…

Como se só ela me amasse

E eu a ela não…

 

Inexplicável!

Se tanto nos gostamos,

Por que, sem motivo, brigamos?

É exploração…

Ela sabe que se não a amasse,

Não caia de joelhos, não…

 

É adorável!

 

Também inexplicável, até pelos especialistas consultados, é uma alteração paulatina da pigmentação da íris dos seus olhos, que, de negros como ébano, ao ponto de inspirarem a poesia…

 

OLHOS NEGROS

 

Foi quase de brincadeira

Que te encontrei faceira,

Teus olhos a me envolver

E quase sem perceber,

Ou pensar, ou querer

Mergulhei num instante

Em negro mar brilhante

Para dele não mais sair

Posto que me fez sentir

Que se quisesse respirar

Só dentro daquele olhar

De pérolas negras a sorrir,

E que o sol inda iria pintar,

Eu poderia conseguir…

 

 

Foram se transformando e vão se tingindo de mel, justificando a criação de outra poesia a que chamei…

 

 

ESSES DOURADOS OLHOS NEGROS

 

Dois olhos negros que falam, num rosto de anjo…

Eu os vejo e não entendo,

E eles brilham como se tivessem um fogo interno…

E eu os vejo, mas não entendo,

E, no entanto, sinto-me cada vez mais atraído.

Aí atino que o ébano daquele mirar pertence a u’a menina,

Mas com rosto de anjo…

 

E os dois pequenos sóis negros reluzentes

Permanecem apontados para mim…

Enquanto eu, encantado, de tão lindo olhar

Não consigo desviar o meu olhar atônito.

Então, pouco a pouco vou notando…

 

Que, daqueles olhos negros de menina

– Ou será um anjo?

Faíscas e centelhas brotam e me alcançam

E, como dardos, cravam-se em meu coração…

Mas, que estranho…

Eles não ferem, antes afagam e envolvem…

São dardos de amor!

 

E suavemente, bem devagarzinho, torno-me escravo

Daqueles olhos negros, do seu brilho incomparável

E de sua dona,

Que, logo percebo, não é um anjo…

É uma linda alma revestida por uma bela mulher.

Aqueles cometas reluzentes nascidos do negro daqueles olhos

Submeteram-me, definitivamente!

E assim começou uma doce escravidão,

O tempo não passou

E já tantos anos vão…

 

Olhos negros que falam, condutores da minha existência,

Foram a luz a guiar de nosso amor os frutos,

A chama a aquecer nossos dias.

Força meteórica que nos impulsiona e encaminha,

Ao ponto de impressionar até a Deus,

Que, como que abençoando a alma escolhida,

Ungindo de mel as suas lágrimas,

Tingiu de ouro os olhos negros da minha vida.

 

Às vezes me questiono como posso me inspirar em coisas tão discretas, que só mesmo a existência de uma musa pode provocar. Ainda recentemente, ao observar que a minha, naquele dia, calçava lindas sandálias douradas, trouxeram-me elas estas imagens mitológicas que me levaram a criar versos enquanto conduzia o veículo em que estávamos, ditando a ela que gentilmente os transcrevia…

 

SANDÁLIAS DOURADAS

 

Essas sandálias douradas,

Por seus meigos pés adornadas,

Fazem lembrar algo mítico

No coração deste crítico,

Que a teus pés sempre está…

 

Sem dúvida foste vestal

Em algum templo do Quirinal

Entre as deusas da velha Roma,

Das quais ainda tens o aroma

E cuja beleza trouxeste para cá…

 

Mas não te viu o Lácio apenas,

Do mesmo modo conheceu-te Atenas

E, como grega, pelo Olimpo andaste

E Isis que foste, no Egito desfilaste,

Eis que só pode tua cor ser de lá…

 

Mas, se entre deuses não pude tanger-te,

Sendo simples e pobre mortal

Fadado a agir e sentir como tal,

Só aqui, meu amor, pude ter-te,

Pois ao meu lado teu calor ora está.

 

Tratar o amar com respeito, valorizar a paixão, perceber a pureza, a simplicidade e a beleza do puro e humano ato de amor entre amantes verdadeiros, também é missão do poeta. E nada mais lindo, romântico e…

 

SENSUAL

 

Procuro-te e te vejo,

Nua em teus pensamentos,

E me provocas devaneios

Quando, ao mirar teus seios,

Enrijeces meu desejo,

Suavizando meus momentos.

 

Teu perfume me inebria, enlouquece…

Aproximo-me e… acontece:

Minha mão, trêmula de ansiedade,

Toca tua pele macia, que é só vaidade,

E teu corpo percorre nervosa,

Causando-te arrepios, dengosa…

 

Meus lábios se unem aos teus,

Que, molhados como os meus,

Estimulam nosso senso,

Criando cúmplice consenso,

A manter nossos corpos unidos,

Pelo amor, e pelo calor vencidos.

 

Tuas lindas pernas macias,

Lânguidas e entreabertas guias,

Acenam-me o caminho,

Pois queres alojar em teu ninho,

Meu forte e apaixonado vigor,

Que penetra teu âmago com ardor.

 

Escalo teu monte, Vênus que és,

Ânsia e afeto e me ponho a teus pés,

Beijo-te e sorvo teus próprios ruídos

Enquanto mesclamos os nossos fluidos,

Amando-nos tanto, sem culpa ou complexo,

Dúvida não há: somos o côncavo e o convexo.

 

Mas um poeta tem sempre, por obrigação, que  falar de amor e de…

 

SEDUÇÃO

 

Não se pode dizer que a conquista

Seja vista como prêmio ou troféu,

Pois a poucos se confere o papel

De viver como hábil artista

Dominando o pulsar da paixão

Percebendo os sinais escondidos,

Disfarçados, camuflados, perdidos

Indecisos entre um sim e um não…

 

Entender que o andar pode ser,

Combinado aos modos e trejeitos,

Como livro que se lê bem aberto

A mostrar o caminho mais certo,

Ensinando os meios e os jeitos,

Prá alcançar o mais belo do ser,

Que por todos os poros exala

O olor do amor, que se cala…

 

Captar o chamado de hormônios

Volatizados num simples olhar

Que reflete o calor lá do centro

Labaredas ardendo lá dentro

Onde está o desejo a queimar…

E então devolver feromônios

Através de recursos singelos

Entre letras e sons paralelos

 

Só alguns são capazes de ter

Esse dom de instilar o prazer

Essa coisa de querer e sentir

Como é bom à mulher conquistar

Como é lindo vê-la sucumbir

Ao domínio do seu coração…

É essa a arte da sedução

O poder de se fazer amar…

 

Esgrimista das armas da vida

Do romance com alma sentida

Cavalheiro que sabe entender

O que deve a mulher merecer

O carinho, a lhaneza, o respeito

Que não mudam o velho conceito

De que a ela se trata como flor

E, aqui, é mestre o homem sedutor…

 

 

O u de…

 

SEDUZIR

 

Ousar…

E provocar arrepios

Com o olhar

Eriçar os pelos

Insinuar o mal-feito

Que, quando bem feito,

Faz arfar e sensibilizar o peito…

Acenar sensações,

Invocar emoções

A umedecerem

Todos os lábios

E os aquecerem

Desencadeando a paixão…

E vencer qualquer não

Insuflando o desejo

Que faz querer beijo,

Tremer os joelhos,

Sussurrar nos ouvidos

Como se fossem conselhos

E o alvo atingir

E só então sentir

Como é bom seduzir…

 

 

E como não lembrar a…

 

 

PRIMEIRA VEZ

 

Ao pegar a tua mão

Os instintos a aquecer

Adrenalina no coração

E as pernas a tremer…

 

Como posso esquecer?

Teu corpo junto ao meu

O desejo que nos venceu,

O calor que nos fez ver…

 

Naquele fugaz instante

Peito em arfar constante

O amor que ali se fez

 

Cederas ao meu anseio,

Não era mais devaneio…

Foi nossa primeira vez.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Parte 3 – Cotidiano

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

“O acaso não tem pressa”

(Paulinho da Viola)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Há algum tempo, ao transcrever a poesia “QUEM ME DERA EU PUDESSE…”, pensei em, “quem me dera eu pudesse”, converter seus versos em canção. Já aconteceu. Mas duas outras poesias por mim criadas acabaram por chegar a tal destino, musicadas que foram igualmente por meu amigo Nilson Ribeiro. A primeira…

 

ESPERANDO A CHUVA PASSAR

 

Esperando a chuva passar,

Perdido no teu olhar

Tudo para mim é prazer,

Só de pensar que te ter

Foi dádiva demais pra mim,

Mas, inda bem, que Deus quis assim…

E as gotas continuam a descer

Na janela eu as vejo escorrer

Não tenho pressa, eu posso esperar

E nos teus olhos ver a chuva passar…

 

E aqui cabe um parêntese, valendo referir que esta poesia foi do, mesmo modo, escrita num guardanapo de papel, num restaurante de São Paulo, onde acabáramos, eu e ela, de almoçar e, em função do temporal que caía, tivemos que esperar a chuva passar.

 

Nesse mesmo almoço, em outros dois guardanapos, e sempre inspirado por frases que ela pronunciava, ainda escrevi…

 

BRUXARIA

 

Não importa o que você quer

Sem artimanha, não há mulher.

Dominam elas as poções

Que escravizam corações.

São rainhas da alquimia,

Mestras em bruxaria,

Produzem verdades trágicas

Nas artes da conquista,

Em cada uma, uma artista…

São bruxas, são mágicas,

Mas é preciso reconhecer,

Que só uma consegue ser,

Com seu jeitinho e à sua maneira,

Minha única e linda feiticeira.

 

E a outra foi esta, feita em homenagem à Cidade de São Paulo, que aniversariava naquele dia de chuva…

 

SÃO PAULO

 

Neste lugar eu nasci,

Aqui eu brinquei e cresci,

Namorei e encontrei o meu par

E com ela montei o meu lar.

Tive filhos e já tenho netos,

Em São Paulo construi o meu teto…

Cidade rica, onde o rico é mais rico

E, infelizmente, o pobre mais pobre,

Mas é aqui que quem procura descobre

Que é só lutar e tudo aqui se conquista,

Enche meus olhos e não a perco de vista,

Tem seus defeitos, mas é nela que eu fico…

 

A minha terceira poesia musicada pelo Nilson Ribeiro foi…

 

PRISÃO

 

De minha vida fugiste,

Sem dó tu me abandonaste…

Não importa.

Se todos os meus dias desfiguraste,

Mesmo que me mantenhas tão triste,

Não estás morta…

Fazes parte do que vivo,

És pedaço da minha existência…

E traição…

Para o perdão não há motivo,

Tu não mereces clemência

E já não me podes dizer não,

Posto que és só maldade,

Eu, ao de ti sentir saudade,

Tenho-te presa no coração…

 

 

Outra com pretensão a canção acordou-me de madrugada já, quase pronta, como modinha caipira…

 

MELHOR DE TUDO

(Modinha Caipira)

 

Melhó de tudo é se amá

Passá a vida a sorri

E se no caminho encontrá

A pedra prá tropeçá,

Dá a vorta nela e segui

Até co’amor se topá.

 

Melhó de tudo é se amá

Mas se num dé prá escolhê

Vamo vê a frô que brotá

E frô é bom de gostá

E se ela vem nos querê

O bom de mais é se amá.

 

Melhó de tudo é se amá

Nem que nois tem que sofrê,

E ninguém sabe por que,

Que a dor de amor que se vê,

Por mais que doi vai pará

Só cum beijinho d’ocê.

 

Melhor de tudo é se amá…

 

 

Também em linguajar interiorano ou caipira, escrevi uma poesia que descreve a casa que nos abriga e aos amigos em nossa propriedade rural e essa, algum dia, quem sabe, poderá ser transformada em moda de viola…

 

BARRACO NO MORRO

 

É no sopé do morro, bordeando a floresta,

Onde a franja do mato cai por riba da cerca,

O lugá que parece que tá sempre em festa,

E a vida não deixa que ali nada se perca.

 

Ali memo encontremo nosso canto de terra

E rezemo pra santa ele abençoá.

E enchemo de pranta, rodeando a serra,

Prá cum verde e cum frô nossa vida enfeitá.

 

Lá prantemo uma casa tão simplinha e singela,

E pra Deus num esquecê, levantemo a igrejinha

E uma pedra que é rocha nós deixemo limpinha,

Pra servi de escada e chegá na capela.

 

Protegendo nois tudo, Santa Rita oiano,

Tudo o que nois fazemo, trabalhano o brincano,

Com desvelo ela cuida de tudo os que ali mora

Mais se as coisa aperta, lá vem Nossa Senhora!

 

Lá os pássaro num espera nem nascê a alvorada,

E começa a cantá que é prá nois acordá,

É o barulho dos bicho tudo em nota marcada,

Eles qué companhia… é prá nois levantá.

 

Nosso canto, nosso ninho é o nosso barraco,

É pros filho é pros neto, é um grande abrigo.

Lá nois gosta de está, de guardá nossos caco,

Gosta de namorá e curti os amigo.

 

Mais num é quarqué um que nóis vai escolhê

Prá entrá na cabana que nois aprecia de  tê.

Tem que entrá bem no peito dum jeito mansinho,

E ali nele ficá só com muito carinho.

 

E agora nois tem que uma coisa confessá:

Nossa casa tá viva e nunca mais vai morrê,

Só porque dos amigo nóis tiremo um pouquinho

Do amor que eles tem prá alimentá o nosso ninho.

 

E por inspiração em sentimentos de minha mulher, dois outros poemas se ligam ao nosso cantinho rural. Dizem eles respeito a algumas árvores por ela ali plantadas…

 

FLAMBOYANT

(A ÁRVORE QUE EU PLANTEI)

 

De que cor são essas flores?

Mesclam elas tantas cores

Em um mesmo matiz

 

De que cor são essas flores?

Pois do ouro ao vermelho

Fazem-me tão feliz

 

De que cor são essas flores?

Uma copa coroando

Pétalas e folhas em explosão

Lágrimas de sereno derramando

A deixar o tronco umedecido

E, tendo por ele escorrido,

Chegam a beijar o chão

 

De que cor são essas flores?

De um quase vermelho intenso

Como o são os amores

E que tão bem os conheço

Pois o meu foi sempre imenso

Amor desde o começo

 

De que planta são essas flores?

Árvore de muitos pendores

Desde pequena muda

E que ainda meio desnuda

Eu plantei de brincadeira

Bem defronte à minha porteira

 

São as flores que ao vê-las

Banhadas pelo sol da manhã

Alegro-me tanto de tê-las

Adornando minha vida

Brotando da planta querida

O meu lindo Flamboyant

 

 

AS PALMEIRAS

 

São três reais palmeiras

E já se mostravam faceiras

Mesmo quando pequeninas

Parecendo lindas meninas

Com a ternura da infância

E toda beleza e elegância

Que mostrariam vida a fora

Todo dia e toda hora…

 

A ornamentar nosso jardim

Foram crescendo, enfim

Cada uma à sua maneira

Entre flores e grama rasteira

Buscando as nuvens no céu

Cada qual com seu verde véu

Mais altas, dia por dia,

Sentinelas de nossa alegria…

 

São três palmeiras imperiais

Que amamos sempre mais

E que seguem a crescer

Para que todos possam ver

E sentir que valeu a pena

Pois a vida ficou mais amena

Sob a sombra de suas palmas…

Por certo, elas têm almas.

 

Ainda por inspiração em seus sentimentos, ora voltados à sua infância e à casa de seus avós, onde um velho relógio — hoje centenário e por ela adquirido, quando, após o desaparecimento de seus parentes, os bens foram democraticamente listados e vendidos entre os descendentes, para a manutenção do imóvel — marcava as horas com suas badaladas, criei…

 

 

RELÓGIO

 

Velho relógio querido,

 

Tuas badaladas melodiosas

Trazem de volta o carinho,

Das tardes e noites gostosas,

Com meus avós em seu ninho.

 

Velho relógio querido,

 

Marcaste as horas das festas,

Das reuniões da família,

Das tias, dos Natais, das serestas

E de cada nova homilia.

 

Velho relógio querido,

 

Sempre me deste motivo

Para me lembrar do velhinho,

Que num tom bem mansinho,

Entoava um lindo “Peixe Vivo”.

 

Velho relógio querido,

 

Desde o primeiro momento

Em que meu amor escolhi,

Teu som e o teu batimento,

Embalam o bem que vivi.

 

Velho relógio querido,

 

Como é bom te ouvir ainda,

A sorte me fez conquistar-te,

Pois estavas tu na berlinda,

E Deus permitiu-me comprar-te.

 

Velho relógio querido,

 

Que marcaste o horário do trem

No ir e vir do meu bem,

Quando inda nós não sabíamos

O quanto felizes seríamos.

 

Velho relógio querido,

 

Música dos meus ouvidos,

Cada batida que dás,

Traz-me dos entes queridos,

Lembranças de amor e de paz.

 

Meu velho relógio querido,

 

Agora que te tenho tão perto,

Colhe dos meus os afetos,

Pois tuas horas… eu acerto,

Para encantares meus netos!

 

E por falar do tempo que passa, chega a seguinte, que ditei para a Liliana  enquanto guiava no trânsito infernal da Marginal Pinheiros…

SINTO PENA…

 

Sinto pena…

De que não se ame mais como antigamente,

Que não se deixe navegar pela mente

O amor, como rio fluente,

O sabor imaginário de um beijo quente…

 

Sinto pena…

Quando vejo moços a desdenhar

Toda a poesia que há no ar

E que até se pode respirar,

Basta querer… é só sonhar…

 

Sinto pena…

De que não mais se aprenda na escola

O que, na rua, conheceu Cartola

Nuances de amor que se veste como estola

E no coração se fixam como se tivessem cola…

 

Sinto pena…

De que o amor não mais anda,

Nem voa e nem navega, enfim

Pois os jovens esqueceram Holanda

E sequer se lembram de Tom Jobim…

 

Sinto pena…

De sentir tanta pena

Por não mais ouvir música de paixão amena

E notar que a alma vai ficando mais pequena

Enquanto se afasta do romance de um poema…

 

Ainda no trânsito, ambiente familiar em que cotidianamente me enredo e não circulo , a caminho do descanso ou compromisso, evitando o clima de trovoada ou ansiedade, me rendo à poesia, como essa…

 

TRÂNSITO

 

Nas vias, na clausura de um carro

Povoado por intensos pensamentos,

Cercado de sonoros  e constantes movimentos

De veículos de todos os portes

Que levam gente e as mais diversas sortes

Por ruas tortas de um mundo bizarro…

 

Sinto o frescor do ar condicionado

Lá fora a fumaça e a poluição,

O homem, como sempre, na contra mão,

Num constante ir e vir sem se mover,

Coisas  a sentir, a sonhar e a temer.

E escuto o rádio no tráfego parado…

 

Imagino as pessoas, quando olho ao redor,

Fechadas em carros e as motos passando,

Perigo trazendo e perigo levando,

Lidando com coisas que da vida são temas,

Poucas as soluções para tantos problemas,

E o trânsito, enfim, é um problema menor.

 

E, mesmo sem querer, eu reflito:

Esse caos é bem próprio das grandes cidades

Onde os homens concentram as suas vaidades,

Onde a gente só vive em meio à ansiedade

Namorando a tristeza e driblando a maldade.

E eu atrasado e cada vez mais aflito…

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Parte 4 – Filhos e Neto

 

 

 

 

 

 

 

Quero colo! Vou fugir de casa!
Posso dormir aqui com vocês?”

 

(Renato Russo)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Nossos filhos acabaram sendo criados em um mundo cada vez mais automatizado e tecnológico, onde a poesia foi abandonando espaço para um romantismo muito pragmático, quase impermeável. Não obstante isto não signifique uma perda do sentimento ou possa revelar uma alteração na graduação do amor. Simplesmente, tornou-se mais hermético, mais solitário, mais individual.

 

Não se dançava mais juntos e enquanto as mulheres abdicavam de suas prerrogativas femininas, a pretexto de concorrerem em igualdade de condições com os homens  (e é importante destacar que nada disso era necessário para que elas assumissem as posições de destaque que hoje ocupam), estes abandonavam o cavalheirismo, a cortesia, o próprio romance.

 

Todos se tornaram muito mais práticos e ambiciosos e, como corolário, passaram a envergonhar-se de se acariciar com mais assiduidade e ostensividade; de declararem o amor, que continuaram sentindo, e abandonaram, até mesmo, a delicadeza de oferecer flores. Enquanto os homens se tornavam menos amáveis, as mulheres não lhes cobravam essa mesma amabilidade. Mas, ainda assim, o amor continuou a vencer e os casais a se atraírem e a se amarem.

 

Três filhos tivemos, sendo que o primeiro Deus pediu de volta ainda no berço, mas permitiu que ele, sempre com rosas amarelas, as mesmas que o vestiram em sua partida, acompanhasse-nos a vida inteira.

 

Em todas as ocasiões importantes de nossas vidas, desde o nascimento de sua irmã, posteriormente de seu irmão, ele se mostrou presente por meio de inesperados buquês de rosas amarelas que chegavam às mãos de sua mãe. Por esse motivo, no dia em que nossa filha manifestou que, em seu casamento, gostaria de ver a igreja enfeitada com rosas amarelas, brotou-me do peito esta quase oração…

 

 

ROSA AMARELA

 

Mais que amenizar a dor… que não é morte

É efêmera separação, é outra sorte

As rosas amarelas sobre a pequena urna deitadas,

Fundem-se à mais pura alma

Que, em suas etéreas revoadas,

Singrando o azul, a paz, a luz …

Flutua na imensidão celeste

E, dádiva única de intenso olor,

Retorna ao âmago do próprio Criador.

 

Milagre de infinito poder,

Exemplo de Divino amor,

Liberando tão pura oferenda

O Senhor da vida, Misericordioso redentor,

Daquela essência extrai outro ser,

E como prenda aos corações devolve …

Menina e flor.

Junto, uma rosa: doçura, perfume e amarela cor…

 

Avança o tempo e outra vez,

Da mesma essência, Divino sopro…

Novo rebento, agora varão,

Mesmo carinho, mesma benção, nova paixão

E, como ornamento, delicada, inocente e bela,

Ternura e carinho como matéria,

Mais uma vez a rosa amarela.

 

Ao longo da vida, nas lutas, nos medos,

Na perda e na vitória.

Em todo sentido, repete-se a história

Centelhas de amor, mercê da Divina glória,

Relembrando a meiguice da essência singela

Nas mãos da mãe a rosa amarela.

 

E agora a surpresa da menina que é flor,

Que é linda e também é mulher.

Ao escolher sua vida, sabendo o que quer,

Eleva a voz de sua sublime alma

E, alcançando o íntimo de seu primeiro irmão,

Pede-lhe com calor, mas suave e calma:

Compareça à minha festa com o seu coração,

Mas não se esqueça da rosa amarela,

Pois eu quero que você enfeite com ela

O meu destino, o meu amor, a minha união.

 

 

Ao relembrar o início de seu namoro, que ocorreu em Campos do Jordão, com o jovem que se tornou seu marido e pai de nosso neto, fiz este poema…

 

 

A FLOR E O AMOR

 

O frio, o som do vento que açoita e, do Jordão, os Campos

Verdes árvores, arbustos e, à noite, sempre os pirilampos,

Altiplano e floresta jamais conheceram entre suas tantas flores,

Aquela Flor de meiguice, pura beleza, senhora das cores.

 

Menina inocente, quase criança, desabrochando encanta,

A todos que a vêem, amigos e amigas, seu rosto levanta,

Sorriso faceiro, olhar luminoso, de fada é o andar,

Atrai corações, desperta atenções, é fácil de amar.

 

E os pares divertem-se: são cantos, são bailes e belos passeios,

Folguedos, brinquedos, gracejos, e os “flirts” são meios,

Do experto Cupido suas vítimas flechar, sem dó nem piedade,

Não importa o tamanho, a esperteza e, nem mesmo, a idade.

 

Então o encontro: sem luxo, sem pompa e até sem alarde,

Esperança de todos, razão da vida, elo com Deus, fogo que arde,

De um peito ao outro, a chama que é lume, paixão e ardor,

Transpassa os corações, tornando em um só a Flor e o Amor.

 

 

Passados os anos, algum tempo após o casamento de ambos, a beleza de seu amor e do amor de nosso filho e sua namorada, hoje nossa nora, voltou a inspirar-me. Então, surgiu…

 

UM SÓ

 

De cada jardim uma flor:

O cravo de aromática essência,

A rosa de intenso perfume,

Belas e tenras, sem muita paciência,

Em seu íntimo a força de um lume

Faz que se atraiam, de repente,

Inda que de uma seja o outro diferente.

 

Seduzem-se e se aproximam, paixão…

Podem admirar-se: flores tem coração!

Superando espaço, obstáculos, tropeços,

Em novo canteiro união e começos,

Da luta contínua dissabores e alegrias,

Só juntos vencendo em todas as vias.

 

Distintos na origem, um ao outro cedendo,

A tudo superam se amando e crescendo

E de dentro do cravo semente contida

Fecunda a rosa, milagre da vida,

Deixando o amor, que só se pode sentir,

Surgir como ser para se ver e ouvir,

Mostrando, então, ao casal singular:

Vocês são um só, construíram seu lar!

 

Algo que sempre impressionou o meu coração emotivo foi o milagre do nascimento. Um ser gerando um novo ser e o caminho para se vir à luz. Assim surgiu…

 

À LUZ

 

Da passagem de um túnel

Úmido, estreito e quente,

À sensação solitária de mãos,

Que sacodem e apalpam

E um inexplicável clarão

Que impressiona a retina.

 

Ainda sem se saber

Se se é menino ou menina,

Estala uma palmada:

Susto, choro… bocas que falam

– E a percepção repentina

De que já se é gente.

 

O colo gostoso,

O calor de um peito… aconchego,

Soninho dengoso, lembrança do escuro…

Chamego!

Lá flutuava, até nadava,

Dormia e sorria.

 

A pressão do carinho,

O calor do afeto,

E, de repente,

Sem se entender o que se sentia,

Já não se é feto,

Nascemos,

 

E  à luz viemos…

 

E ai, num belo dia de Primavera, nossa filha nos deu um neto. Trata-se de uma sensação que só os avós sabem como é. E foi essa sensação que gerou a poesia…

 

SOMA

 

A existência é uma soma.

Dias, meses, anos, décadas…

Como se, pela janela de um trem,

As imagens, as boas e as ruins,

Desfilassem, alternando-se, mas passando.

 

Embora adição permanente,

Contradição,

É subtração decadente.

Existe a dor que é benção,

E, por isso, não vai… Acompanha,

Existe o amor que é bálsamo,

Porque é verdade tamanha.

 

É a soma dos bons,

De onde se tiram os maus,

É o acúmulo de dons,

Que ensina a mexer os paus.

É o crescimento da fé,

Mesmo que seja invisível,

Aprendendo com gente que é,

Ainda que seja insensível.

É o um mais um são dois.

 

Sem pesar o que vem depois,

Pois, amar os transforma em três,

E se vai começar outra vez,

Um dia atrás do outro,

De gametas constante junção,

Adere o sêmen à corola da flor,

Juntar células, mais células… Calor!

Gerar filhos é soma de amor,

E o resultado da operação?

Ser avô…

O que é pura paixão!

 

 

E não há nada mais especial do que brincar com um neto. O meu, além de todas as deliciosas brincadeiras que fazemos, algumas vezes se transforma – de mentirinha, como ele mesmo diz – em “Spider Man” (ele prefere falar o nome do super-herói em inglês em vez de chamá-lo de Homem Aranha), o que me levou a criar um fictício vilão alcunhado “Homem Formiga”.

 

E ai saímos lutando, ele sempre me vencendo, mas quando eu finjo dominá-lo, ele busca o socorro da avó, por ele transformada em uma super-heroína a qual foi dado o nome de “Mulher Arco-Iris”. Assim apareceu o…

 

O HOMEM FORMIGA

 

De repente se está de joelhos

Rolando pelo chão da sala

Atracado a um herói pequenino,

Que mais parece um menino

E que entre socos lhe fala,

Dá ordens e até conselhos:

 

– Você é um vilão malvado

E eu sou um super-herói

E a minha teia vou jogar

Para mantê-lo bem dominado,

Enquanto você vai ver como dói

Ao “Spider-Man” atacar!

 

– Qual é o seu nome? A pergunta estala

E, rapidamente, devo responder

Alimentando a gostosa intriga,

Deitado bem no meio da sala,

Com o herói a me submeter:

– Eu sou o temível “Homem-Formiga”!

 

E faço logo uma garra com a mão

Ameaçando o poderoso herói:

– Eu corto a sua teia, agora vou vencer!

E prosseguimos a rolar pelo chão

E a cada história que ele constrói

Abraça-me com força para me deter…

 

Tão grande e farta a imaginação,

Que vejo o brilho em suas iris

Ao buscar o socorro da super-heroina.

Segurando com força a minha mão,

Grita alto: – “Mulher Arco-Iris” –

E logo chega a ajuda feminina.

 

E o faz de conta segue em frente

Todos os três a se engalfinhar,

“Arco-Iris”, “Spider-Man” e o “Formiga”,

Até que o menino, de repente,

Cenho cerrado, torna a mandar:

– Vamos parar com essa briga!

 

E como é grande a alegria

Ao ouvir do nosso herói a voz,

Fingindo a máscara sacar:

– Podem tirar a fantasia,

Vocês são de novo os meus avós…

E do que mais vamos brincar?

 

Cadê o “play-station? Vamos jogar…

 

Essa mesma criaturinha, que está no Maternal, participou de uma brincadeira educativa promovida pela professora como se fora uma busca ao tesouro. Ao final da tal busca, a educadora começou a ensinar às crianças o significado figurativo de tesouro, perguntando a cada uma delas, quem seria o seu tesouro.

 

Umas apontaram a mãe, outras, um brinquedo, outras, a “Babá”, enquanto meu neto, ao ser indagado, disse com muita segurança: – o meu tesouro é o meu cachorro Barney, que fica no sítio do vovô.

 

Trata-se de um velho e bonachão Labrador, de cor negra, que permanece em nossa casa no haras e de quem meu neto faz gato e sapato. Quando minha filha me contou isto, descarregando comigo nossas malas, pois estávamos no próprio haras, escrevi…

 

MEU TESOURO

 

Perguntou-me a tia Cris,

Igualmente aos meus colegas,

Como se fosse algo a esmo,

 

– Quem é mesmo o seu tesouro?

 

E com as mãos sujas de giz,

Entre farras e muitos pegas,

Conversei comigo mesmo,

 

“Quem é mesmo o meu tesouro?”

 

Pensei na Mamãe e na Mê,

Na vovó “Ice” e na vovó “Iana”,

Nos vovôs e no papai…

No Play Station e na TV,

Numa coisa bem bacana

E, de repente, a ficha cai…

 

Na verdade me lembrei

Lá do Sítio do Vovô,

Das galinhas e dos pintinhos,

Com quem eu brinco nos ninhos,

Sempre que lá eu vou

E dos cavalos em que eu andei.

 

E com uma coisa eu atinei,

Bem debaixo do meu nariz,

Embora negro e não de ouro,

Estava o Barney, agora eu sei

E logo disse à tia Cris:

– Meu cachorro é o meu tesouro!

 

Falando em Sítio Santa Rita, lugar lindo e abençoado onde mantenho meu haras e onde meus filhos, os amigos de meus filhos, os nossos amigos e os amigos de nossos amigos sempre gostam de estar, lá deixo vir à tona também os meus pendores culinários, descobertos aos catorze anos, quando meu falecido pai, que construía estradas pelo interior de São Paulo, levou-me, de castigo, para a sua pior obra (uma estrada de terra ligando as cidades de Apiaí e Ribeira, no Vale do Ribeira), vez que eu fora reprovado na quarta-série do ginásio (nem sei mais a correspondência no ensino atual) por ter-me dedicado mais à natação do que aos estudos, fazendo-me trabalhar como peão na picareta, pá e enxada, durante todo o verão, abrigado no acampamento da obra e obrigado a seguir a mesma jornada dos trabalhadores, inclusive, assumir o preparo da “bóia” (comida) numa escala de revezamento.

 

Tal lição levou-me a nunca mais ser reprovado e a entrar na Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP) sem cursinho preparatório para o vestibular. No acampamento dos trabalhadores aprendi a cozinhar e foi despertado o meu interesse pela culinária em geral e, em particular pela “pizza”, na qual me tornei um “expert” sempre aplaudido (não sei se sinceramente) pelos meus comensais.

 

Entre algumas brincadeiras que gosto de fazer, lá surgiram duas poesias com viés culinário: a primeira é a receita da “pizza” “Margherita”, considerada a rainha das pizzas por ter sido criada, há mais de um século, com as cores da bandeira italiana (verde, branco e vermelho), por um “pizzaiolo” napolitano alcunhado “Nazzo a Cane”, em homenagem a então soberana da Itália chamada “Rainha Margherita”

 

A RAINHA DAS PIZZAS

(MARGHERITA)

 

No campo a semente,

É o trigo dourado,

Colhido por gente,

Vai ser esmagado,

Com grande carinho,

Bem lá no moinho.

 

Dia frio ou dia quente,

Enorme alagado,

Água fria envolvente,

Com gosto salgado,

De lá, com jeitinho,

Se extrai sal marinho.

 

Tem grande caroço,

De polpa coberto,

Nasceu sem pescoço,

Mas gosto bem certo,

A oliva é origem

Do azeite extravirgem.

 

Da fonte o fluido,

Claro e transparente,

É água e tem sido

Mais um componente,

A ligar toda a massa,

Como pão que se amassa.

 

E aqui, ainda falta,

Uma leve pitada,

De cana bem alta,

Folha verde e delgada,

Açúcar docinho,

Mas, só um pouquinho.

 

Então começamos

A pensar em recheio,

Tomate buscamos

E cortamos ao meio,

Saem pele e semente,

Com gelo e água quente.

 

E agora só resta

A polpa macia,

È só o que presta

Enchendo a bacia.

É este o conselho

Pro molho vermelho.

 

Do curral ouço o berro,

É búfala leiteira,

Tiro leite e não erro,

Na ordenhadeira.

Dali para a usina,

De queijo, é oficina.

 

Azeda e fermenta,

E em massa se torna,

Se esfria e se esquenta,

Água fria e água morna,

Branca e não amarela,

Surge a “mozzarella”.

 

Do verde da horta,

Vêm lindas folhinhas,

O cheiro é o que importa,

Das lindas plantinhas,

Manjericão o seu nome,

É o sabor que se come.

 

E agora chegamos

Ao toque final,

O forno bem quente

Dá o tom magistral,

Redonda e bonita…

Ai está a “Margheritta”!

 

A segunda poesia surgiu quando, ao ler um artigo do (Fernando) Veríssimo, tomei conhecimento de uma quase preferência nacional, à qual me ajusto perfeitamente…

 

PICO DOURADO

 

Vejo aquele monte tão perto

E, atônito, não sei se estou certo,

Pois ele me parece coberto

De neve branca e em grãos,

Com pequenos e delicados vãos.

E pelas encostas do vulcão singular,

Consistentes as neves  se tornam,

E, como placa contínua, adornam

Um pico dourado a brilhar…

 

Mas, num instante e de repente,

Atraído pela imagem espetacular

Ao perceber que ali tudo está quente,

E me fascina aquele topo anelar

De intenso amarelo candente,

Cuja fina película envolvente,

Com a ponta do aço me ponho a furar,

Libertando suas lavas viscosas,

Que em douradas ondas copiosas,

Qual líquido açafrão, tingem as neves,

Aguçando o meu paladar

Amarelando os grãos que passo a comer,

Com muito gosto e grande prazer,

Emergindo claro de linhas tão breves,

Que o tal monte, para mim tão bonito

É um delicioso prato de arroz com ôvo frito! 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Parte 5 – A vida na imaginação

 

 

 

 

 

 

 

 

“Tenho o caminho do que sempre quis e um saveiro pronto pra partir”

(Milton Nascimento)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Em algumas ocasiões, embora feitas quase de brincadeira, certas poesias vão emergindo. Uma delas fiz enquanto esperava minha mulher fazer compras em uma loja de “shopping center”, sentado em um café, situado no corredor em frente, e sendo obrigado, já que não sou cego, a ver brasileiras a caminhar.

 

Como sempre, servi-me de um guardanapo e surgiu…

 

BRASILEIRA

 

Como descrever a beleza,

Que, na brasileira, é certeza

Não importa onde more

Se só ri ou, também, chore…

 

Como descrever o andar,

Pernas e quadris a balançar

O jeito felino de se mover

A gata que todas parecem ser…

 

Qual a diferença que há

Nesse vai pra lá, vem pra cá,

Das outras mulheres do Mundo

Que, por ele, nascem a cada segundo…

 

Essa graciosidade quase sem fim

A fascinar gregos e americanos,

Cariocas, paulistas, baianos

Só descreveram, mesmo, Vinicius e Jobim.

 

Na mesma ocasião, com a demora de minha mulher na compra, em outro guardanapo, ainda fiz…

 

O DEPOIS

 

E se viver for morrer,

Já tenho idade pra indagar,

Pois muita vida vivi

Pra não saber se é aqui,

Que tudo vai se passar,

Se sentir… acontecer…

 

E se viver for morrer,

Com tanto que, hoje, eu sei

Pelas coisas que já lutei,

Fiz mais do que sempre quis

E mesmo assim fui feliz

Já sei daqui o que é ser…

 

Se viver for morrer,

Quero te ter outra vez,

Dos filhos, quero os três,

Também os netos eu quero

E ver a Deus eu espero,

Pois lá serei o mesmo ser.

 

 

 

 

Do mesmo modo, em outra oportunidade, fui deixado, sentado debaixo de um guarda-sol, a observar a praia e o mar, no Guarujá, impedido que estava de caminhar por um problema de coluna, ora sanado cirurgicamente, enquanto minha mulher foi caminhar ao longo da orla com um casal de amigos.

 

Como quem tem olhos os tem para ver, pedi papel e caneta ao sujeito que vendia água de coco, o qual me cedeu duas folhas de uma surrada caderneta de anotações, permitindo-me descrever, em dois sonetos, as belezas que acariciavam minha vista. O primeiro — já transformado em canção em parceria com o Nilson Ribeiro– foi…

 

MAR ILUMINADO

 

O sol quente a iluminar o mar

É lembrar, ainda que sem querer

Que presente é poder viver

Vendo o sol a inundar o mar…

 

Espumas brancas que brilham

Por furtarem os raios do sol

Ondas de verdes cores que oscilam

Indo e vindo a embelezar o arrebol…

 

E eu aqui estendido na areia

A pensar que se agora isto é lindo

É certo que em noite de Lua cheia

 

Águas negras e suas vagas a lampejar

Fazem que o feliz mortal siga sentindo

Que Deus mantém no mar diamantes a flutuar…

 

E o segundo poema, também escrito à vista do mar, é quase mitológico…

 

SEREIAS

 

Quem disse que não existem sereias

Não conhece do Brasil as areias,

Nunca esteve na beira do mar

Onde as deusas se põem a caminhar…

 

Incrível, mas importa dizer,

Do oceano elas nunca vieram

E Netuno se contenta de as ver,

Pois seus súditos jamais as tiveram.

 

São brancas, mulatas, são belas,

Sob os beijos do sol ficam lindas

Puro bronze com ouro e canela

 

Perfumadas, gostosas, são aquelas

Que na praia em idas e vindas

Transformam uma só cor em aquarela…

 

 

E, como eu disse na ode NÃO SEI SE SOU, “a arte é viva e à frente está, em qualquer ponto, aqui ou lá”. Ao artista, ainda que modesto e pouco confiante, cabe aprisioná-la com os instrumentos de sua sensibilidade e criatividade, sejam eles o pincel, o cinzel, a pauta musical ou as letras.

 

Não sendo pintor, escultor ou músico, restou-me a poesia para descrever o que vejo, o que sinto, o que me fascina e o que me emociona, seja o amor ou seja a dor. E assim foram surgindo…

 

A FOLHA QUE CAI

 

Uma folha caiu,

Mais uma, outra mais…

Incansãvel é o tempo, impiedoso é o vento.

Uma folha que cai,

O outono começa

E outra folha se vai,

Flutuando sem pressa…

 

Ela caiu, é uma folha

E não tinha escolha,

É a força do outono

E deitou-se no chão, outras folhas vieram,

Cumpre o tempo sua obra,

Avança sempre sem volta

E chegou o inverno…

 

 

SONHEI

 

O que se quer

É o que se busca,

Mas não se alcança…

E eu sonhei!

Parecia real,

Não sei se era crença.

Tudo se passa num instante,

Sonhos sonhados em sonho…

E eu sonhei!

Era só um sonho…

 

 

FLORES

 

Enfeitam amores e até as dores

A gala, o luto, o nascente e o poente.

São coloridas, são vidas, são flores,

São belas, são rosas, violetas e malmequeres,

São primaveras, acácias… São mulheres.

E também são homens,

Crisântemos, lírios, antúrios…

São alegres… São tristes,

São luzes, são matizes,

Amarelas, vermelhas, brancas, azuis…

Estão sempre-vivas, mesmo feridas,

São quase gente, mas são só flores…

 

 

O CAMINHO DO SOL

 

Aos poucos, uma tênue claridade,

Quase imperceptível, mas… Verdade,

Segue, avança, rasgando o horizonte.

Parece fluir por um amplo canal,

Aparente fusão, cada qual de sua fonte,

Até ser parida, como luz matinal.

 

Antes fraco, ora brilho, é matiz

Espargindo cores e, pintando o céu,

Misterioso sob transparente véu,

Mantém-nos em dúvida desde a matriz,

Que nome terá? Para alguns, é Aurora,

Para outros, Nascente… e é luz agora…

 

Não importa o sexo, é beleza,

Que, nem sempre, afasta a tristeza.

Luminosidade e calor crescentes,

Espalha-se por espaços e mentes,

Intenso colorido, agressivo e forte,

De leste a oeste, de sul a norte.

 

E sobe, vertendo noite em dia,

Inundando a lida, o labor, a manhã,

Nuvens, trovões, tormentas a facear.

Esfera dourada, por frestas espia,

Mais força e calor… puro afã…

Começa a tarde, já mais devagar.

 

A tudo ultrapassa, são brumas, são raios,

Bonança, ciclone, cruel tempestade,

Refletem, agora, suas luzes mais brandas,

Brilhos e cores em tênues desmaios.

Com barreiras aprendeu, cresceu em idade,

E saber ajuntou por todas as bandas.

 

Então o declínio lhe traz outro senso,

Esmaecem suas cores, seu brilho arrefece,

Mais belas são elas, encentram a luz,

Converge-se aquele, mais calmo e mais denso

E tingem as sombras, os males… A prece,

Suaves nuances dos tons de uma cruz.

 

Nascer impulsivo não foi por acaso,

Com força passar pelo dia é preciso,

Sem ela, impossível fazer a história,

Efêmera a vida, já chega o ocaso,

Mais belo é o poente, mais sério e conciso…

E na noite mergulha em busca da glória.

 

 

VIVER

 

Sabes o que é viver, meu menino?

Se alguém me houvesse perguntado,

Na abstração da mais tenra idade

Em que o mundo de azul é pintado

E onde tudo é brinquedo e ansiedade.

Responder eu jamais poderia,

Já que tão distante do fim estaria,

Com a inocência e a força do novo

Sem ter provado do viver o açoite

E nem saber que esta Terra é um dia

Com manhã, com tarde e com noite,

Mas que, aqui, não começa de novo….

 

Sabes o que é viver, meu jovem?

A cabeça… só sonhos e planos

Na luta por eles crescendo

Amando muito e as camas vencendo

Sem aprender com alheios desenganos.

Responder eu não poderia

Pois, certamente, eu ainda riria

Das noitadas regadas a vinho

Dos sabores da farta comida,

Dos amores trazidos ao ninho,

Sem saber quão curta é a vida

E que, aqui, não começa de novo…

 

Sabes o que é viver, meu homem?

Tanta tormenta já tendo vencido

Sabendo muito, mas sem saber nada

Inda arrogante qual o dono da espada

O bolso mais forte e o corpo doído.

Mesmo assim me fugiria a resposta

Vez que ter tanto é magia composta

De muita grana e apego ao poder

Que a vida toda se luta por ter

Sem se saber que ele trás como sina

A corrupção – enquanto encanta e fascina,

Mas que não dá a vida de novo…

 

Sabes o que é viver, meu velho?

Sim, agora posso eu responder,

Tantas coisas tendo enfrentado,

Com tudo o que pude aprender

E menos futuro do que passado.

Sei que o amor é o contrário da dor,

Embora a dor possa vir do amor,

Sei que tudo envelhece na gente

A não ser o que temos na mente,

Pois bem dentro das nossas lembranças

Somos adultos, somos jovens ou crianças,

Mas nada, aqui, tem início de novo…

 

Afinal, aprendestes, então, o que é viver?

Viver é ter, sem saber que se tem

É querer, pretender e alcançar

É perder, é sofrer e é deixar

Seja coisa, ou gente ou bem,

É continuar a amar com amor

Sem que o físico sustente o vigor

É murchar, encolher, definhar

Ver a luz a sumir do olhar

Perceber os ouvidos mais moucos

Com a criança ainda se emocionar,

Mas sentir que viver… é morrer aos poucos.

 

 

AMIGO VELHO

 

Primeiro amigo,

Os desajeitados começos,

Trôpegos passos,

Já existe a mão forte

Que ampara tropeços.

 

Amigo,

Ainda que  jovem,

Parece tão grande…

E tão velho,

Quem é esse homem?.

 

Melhor amigo,

Ele nos guia

E vamos crescendo.

A mesma mão forte,

Ora envelhecendo.

 

Amigo velho,

No que é preciso

Com ele contamos

A vida passando,

Já temos juízo.

 

Amigo ou velho?

Já não dependemos,

Temos um rumo, e pensamos:

Mais que ele sabemos

E parece tão… velho.

 

E por falar em amizade, alguns anos atrás, a dor da perda de um grande amigo de infância, daqueles que a própria vida se encarrega de separar, mas que estão sempre presentes em nossas mentes e em nossas preces, levou-me a construir, logo depois de seu velório, uma das poesias mais emotivas da minha vida…

 

AMIGO

 

A gente não sabe por que, mas sente…

Num encontro, numa briga, no jogo,

Seja no início, no meio ou no fim,

Mas, de repente, uma coisa meio assim

Entra no peito, se aloja e logo, logo

A gente não sabe por que, mas sente…

 

Não é escolha ou obrigação, é presente

Que não se sabe de quem, nem de onde,

Chega concreto, completo e já pronto

E faz brotar lá de dentro, ponto a ponto,

A sensação que no peito se esconde

E a gente não sabe por que, mas pressente…

 

Mescla de afeto, simpatia, sentimento

Que traz paixão, discussão, recomeço,

Não se vê dom, beleza ou qualidade,

É confiança, desprendimento… é amizade!

É aquela mão que socorre o tropeço,

É a ausência presente em cada momento.

 

Amigo é o amor que prescinde de sexo,

Não precisa estar perto ou junto, nem nada,

A impressão de calor é tão forte e constante

Inda que a vida – que passa num instante –

Separe caminhos ao longo da estrada,

Amigo é o amor sem motivo e sem nexo…

 

E ai, um dia, sem aviso, num repente,

Chega a notícia que não se esperou,

Com ela a dor, sofrimento… realidade,

Que fere o peito como ferro – saudade!

Ele se foi para sempre, nada restou

E a gente sabe porque… e como sente!

 

 

Na mesma ocasião, via Internet, recebi lindas imagens fotográficas da terra, produzidas por lentes instaladas em satélites e que revelavam o lindo planeta em que vivemos, com suas cores belíssimas onde prevalece o azul.

 

Pelas fotografias era possível perceberem-se as nuvens de areia do Saara invadindo o Atlântico, as montanhas cobertas de neve, os rios serpenteando pelos continentes e, até mesmo, com muita clareza, o dia e a noite unidos por um traço. Mas não se vêem seres, humanos ou não. Não se percebem dores, guerras e sofrimentos e isto me levou a tecer…

 

QUANDO SE OLHA DO CÉU

 

Quando se olha do céu,

 

É quase todo azul e tudo é tão perto,

Água que invade a terra, areia que cruza o mar,

Nuvens sobre montanhas, luzes a brilhar,

Gente não se vê, parece tudo deserto.

 

Os gritos não se escutam, nem se sente a dor,

Dos que sofrem por não conhecer

O que é ser um humano ser,

Num mundo lindo de tão linda cor.

 

Quando se olha do céu,

 

Claro e escuro se beijam e, num abraço,

Dão voltas e mais voltas unidos,

Sem qualquer receio de serem punidos,

Posto serem partes do mesmo traço.

 

Não se pode entender por que lá existem

Tiranos tão cheios de ódio e arrogância

Abusando do mal com toda a sua ânsia,

Explodindo rancor sobre os que resistem.

 

Quando se olha do céu,

 

O branco da neve copulando a terra,

Gerando riachos que se tornam rios

E que despencam nos veios, enchendo vazios,

E se lançam nos mares já longe da serra.

 

Enquanto pessoas se ferem e maltratam,

Seus gritos ecoando por todas as ruas,

Sem que suas vozes, por serem tão nuas,

Atinjam o alto, já que o céu não alcançam.

 

Quando se olha do céu,

 

A cor tão bonita que tinge a esfera,

Mostrando nuances do “pink” ao lilás,

Conduz o calor que do espaço traz,

Pintando o mundo… e não é quimera.

 

Porém a distancia torna os seres inermes,

Não se vê movimento nem vida jamais

Não se notam humanos nem os animais.

Haverá mesmo homens ou serão todos vermes?

 

 

 

Parte 6 – O homem e suas circunstâncias

 

 

 

 

 

 

 

“Dentre as ervas mais daninhas

Nascem pequenininhas

Lindas e buscadas flores”

 (Joffre Sandin)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

E então nos lembramos do quanto o homem é egoísta e perverso. De como se pensa e age em benefício só próprio. E como nos olvidamos dos mais carentes e como nos desviamos dos problemas existentes e enfrentados pelos esquecidos da sorte.

 

Mas é preciso que nos mexamos, que busquemos soluções para melhorar a vida das pessoas, pois elas, afinal, são mais importantes que quaisquer outros seres animais ou vegetais.

 

ANDRAJOS

 

Nas vias os vemos,

Nossos medos nos calam,

Os farrapos tememos,

Por que ali chegaram?

 

Não é difícil saber

Se quisermos pensar,

Basta em seus olhos ler

O que os fez despencar.

 

Tropeçando no encanto,

Descrendo das fontes,

Salgando no pranto

Tristezas aos montes.

 

De vivos foram órfãos

Debaixo de um teto,

Faltaram-lhes as mãos

Devedoras de afeto.

 

Na mais tenra idade,

Forçados no sexo,

A pressão da maldade

Ceifou-lhes o nexo.

 

Entregaram-se à rua

Tentando escapar

Da verdade mais crua,

Do tormento do lar.

 

Do álcool os vapores

Lhes cozeram as mentes,

Mitigaram-lhes dores

Queimando sementes.

 

Ao entorpecerem ilusões,

Os escravos dos pós

Põem fora as razões,

Cada dia mais sós.

 

Faltou-lhes escola,

De outro era encargo,

Ao dar-lhes esmola,

Nos pomos ao largo.

 

Mendigos, leprosos…

Eles sempre existiram.

E os homens vaidosos

Por que permitiram?

 

Aos políticos os votos,

Nós nos justificamos,

Pois, do ouro devotos,

Neles nos ocultamos.

 

Mas, quem são os farrapos,

Que nas ruas os achamos?

Tais andrajos e trapos

São só seres humanos.

 

 

FAVELA

 

Gente pendurada em pencas

Tentando escapar de encrencas

Em casas de taboa e zinco

Onde viver… só com afinco,

Os trapos pendendo de fios

A superar os pratos vazios

Suportando o frio e o calor

Ultrapassando o mal e a dor

Em tão estreitos espaços,

Tortos e mal feitos degraus,

E por eles todos os passos

Sejam dos bons ou dos maus,

Que se cruzam a pés descalços

Em sandálias ou chinelos falsos…

Desgastados nas pedras do chão

E os ouvidos  a ouvir sempre não…

 

 

Sob os pés, sujeira, lama e lodo

Enxurrada de lixo a manchar o todo

Donde brotam criminosos espinhos

Que sempre trazem pesar e maldade

Prá acabar, na mais tenra idade,

A morrer nos mais sujos caminhos…

Mas são o medo, o sofrer e as dores

Que alimentam, todavia, a esperança

No coração de cada criança,

De que ainda encontrem as cores

A colorir o amor do que ama,

Fazendo vir bem de dentro da lama

Os batuques que invadem a alma

E permitem aos dons que, na calma,

Criem músicas e vivam amores

Pois ali o que mais nasce são flores…

 

E a exploração criminosa da prostituição infantil, as mentes pedófilas que proliferam impunemente pelo mundo e que, infelizmente, entre nós, geram estatísticas dilatadas e cruéis? Como lutar contra isso? Só com educação e solidariedade. Só com a preocupação com o próximo. Só fazendo além da nossa parte. Mas, ao poeta não pode escapar o que ocorre à sua volta. De tudo deve falar, pois é o seu meio para alertar…

 

PARA FALAR DE PÉTALAS

 

Só se vê lama e barro ao redor

Escuridão da sorte,

Desvios e a própria morte,

Que pode entanto ser mais dura

Quando a alma, ainda pura,

Vive presa em corpo menor…

 

E no sujo e fétido lodo

Dentre as ervas mais daninhas

Nascem pequenininhas

Lindas e buscadas flores

Presas frágeis para maus amores

Todo dia e o dia todo…

 

Com certeza, ao crescerem

O frescor de seu perfume

Atrairá, é de costume,

Dos arredores de seu canteiro

Os que exalam o mau cheiro

Da prata ganha sem merecerem…

 

Exploradores sem preconceito

Homens, mulheres, até parentes,

Buscam as flores, que tão carentes,

Se submetem a tais bandidos,

Cedem suas pétalas entre gemidos

Sendo vendidas sem ter direito…

 

Tão dura a vida, mundo atroz

Em cada rua deixam seu sangue

Na cama, na praia, mesmo no mangue

Seu corpo, banquete servido inteiro

Para que o mau ganhe dinheiro,

Cada uma delas com seu algoz…

 

E todos vêem o quão perverso

É o dia das flores de tristes sinas

Vítimas vivas, e mãos assassinas

Lhes arrancam pétalas à nossa vista

E nos omitimos sem deixar pista,

Mas mesmo assim inspiram verso…

 

Na realidade, a maioria das poesias que faço começam me despertando do sono, acordando-me de madrugada e obrigando-me a registrá-las. Assim, recentemente, esta “amanheceu”…

 

MÃOS

 

Intensos e poderosos instrumentos

São as mãos em todos os momentos,

Desde o afagar do seio que alimenta

Ou empolgar o livro que acrescenta,

A participarem de rodas e folguedos,

Dos jogos e de todos os  brinquedos…

 

Apêndices de tal forma úteis,

Mesmo nas horas mais fúteis,

São capazes de tantas proezas

Nas alegrias e, também, tristezas.

Abraçam e excitam o namoro

E enxugam as lágrimas do choro…

 

Incríveis ferramentas da arte

São do corpo imprescindível parte

Ao maestro que rege a orquestra

Empunhando a batuta mestra

A liderar músicos em tantas vias

Encantando mentes com melodias…

 

Concedem ao artista produzir beleza

Com o que vê e sente na natureza

Esculpindo a pedra com seu cinzel

Pintando as telas com seu pincel

Colhendo do mundo o que extasia,

Lápis e papel: a própria vida é a poesia…

 

Por qualquer caminho ou atalho

Encontram sua razão no trabalho

Produzem coisas e alimento,

Do povo sério sendo o alento,

Mitigam sofrimento e dores

Nas habilidades de alguns doutores…

 

Às vezes, entanto, têm mal uso

Servem elas à força e ao abuso 

Destratam, ofendem e maltratam

Excedem do poder e, até, matam

São mãos de donos com tristes sinas

Que as podem fazer assassinas…

 

Outras, por sua vez, mercenárias

Pertencem a modernos párias

Ora travestidos de políticos

E que desdenham de seus críticos

Em discursos e remorsos vãos

Palavras sujas pelas próprias mãos…

 

Por certo, o mal é a exceção

E o que vale mesmo é a emoção

Quando se entrelaçam ardentes,

Companheiras que são do amor

Ou quando amparam os carentes,

Delicadas ao tocarem a flor

 

Nascem pequenas, fofas e calmas

E crescem logo, e batem palmas

Em festas, progresso e na vitória

Para cada ser há uma história

De quase tudo são as autoras

Em qualquer enredo as lutadoras…

 

Mas envelhecem, a vida passa…

E não lhes falta uma nova graça

Embora trêmulas e enrugadas,

Ensinam coisas, mostram estradas

Afagam cabelos de novos entes,

Que a sorte lhes deu como presentes…

 

Pouco tempo depois, após uma severa cirurgia de coluna a que me submeti – felizmente pelas mãos de um ético e competente jovem médico – ainda no interior do Hospital Albert Einstein, no dia seguinte à intervenção, produzi outra poesia sobre mãos, desta feita homenageando tanto o cirurgião que me houvera operado, como também outros dois com as mesmas qualidades de caráter e competência que conheço, à qual chamei de…

 

MÃOS QUE SALVAM

 

Já falei de mãos

E do que elas fazem

De bem e de mal…

Mas algumas em especial

Tal valor elas trazem

Que tornam a outros sãos.

 

Incrível como acontece,

Pois produzem muitas lesões,

Fazem cortes, contusões,

Instrumentos tantos a esgrimir

Abrindo vãos para prosseguir

E curar… Quem sabe em prece.

 

A inspiração lhes dá os motes,

Para fazerem a sua parte

Com atenção e muita arte,

A dominar a emoção,

Que insiste em nublar a razão,

Às vezes poetas, outras sacerdotes.

 

E mexem fundo no coração

Com a hábil sensibilidade,

Que Deus lhes deu, é verdade,

Vinculando-os, por certo, à ética

Para usarem, com liberdade poética,

As suas mãos de cirurgião…

 

 

 

 

Às vezes, quando nos encontramos com amigos em festas, como nas de casamento, por exemplo, algumas amigas me pedem para fazer alguma coisa a respeito da ocasião. No evento matrimonial dos filhos de dois casais de amigos ocorrido recentemente, uma das senhoras presentes em nossa mesa e que é italiana, mas aprecia as poesias que crio, fez-me tal pedido e, novamente, usando um guardanapo de papel…

 

AMIGOS

 

De repente nos encontramos

E, sem saber porque, felizes ficamos

Vez que nos reconhecemos…

Quiçá, outra vida tivemos

E lá, talvez, nos tenhamos visto

Por certo, isso foi bem quisto…

O que importa é que ora nos revemos

E que somos amigos, percebemos

E, pela vida, assim seguiremos…

 

Com a mesma amiga italiana e seu marido, também, italiano, por vezes tento exprimir-me no idioma peninsular, não obstante jamais o tenha estudado. Mas, como conheço, com alguma profundidade a nossa própria língua, por serem ambas neolatinas, como também o são o espanhol e o francês, tenho uma certa facilidade em me expressar, o que os impressiona.

 

Por força disso, esta minha amiga, revelando gostar muito de minhas poesias (muitas das que escrevi ela coleciona) perguntou-me se eu seria capaz de fazer uma em italiano. Eu lhe disse que tentaria e assim o fiz, optando por um soneto, vez que originário da Sicilia, mas imortalizado na magnífica obra de Dante Aligheri, de onde migrou para, praticamente, todos os idiomas ocidentais, inclusive o Português. Dessa maneira, em sua homenagem e ousadamente, criei…

 

ORIUNDO

 

Perché un idioma mi piace tanto,

Dove sta l’origine nel mio cuore

Che me fa volare nei sue colore

Ed appassionarme per suo incanto?

 

Lingua che ha prodotto il sonneto

Nato sotto l’Etna, en mezzo al fumo

Mentre fiori insulari con suo profumo

Impregnavano d’il poeta il petto…

 

Forma di poesia tanto singulare

Ho inspirato a Dante immanente tema

E con suo pensiero l’universo ricreare

 

Ed io, qui, in questa vitta ormai

Povero oriundo tento fare poema

Prendendo dei amici amore assai…

 

A minha aventura pelo Italiano me animou, ao receber pela Internet um video muito bonito de um tango extremamente bem dançado por um belo casal, a fazer em Espanhol uma homenagem a esse ritmo tão sensual…

 

TANGO

 

A cada un, una historia

Que se busca en la memoria

Y se pone a deslizar

Romantica pareja a danzar..

 

Con sus cuerpos en  justos lazos

Arrastrandose en ardientes pasos

Recurriendo todo el salon

Y a latir fuerte cada corazon…

 

Lindo acto de amor bailante

Se mezclan a cada instante

Brazos conduciendo la mujer,

Piernas a se tocar por querer…

 

Y se van entre abrazos se amando

A cambiar sus passos danzando

Así , rozandose en toques sensuales

En sus mentes solo el plazer, sin males…

 

Hombre , mujer y su desear

Que se puede ver en cada mirar

Mientras que a todos encantan

Y con sus movimientos se avanzan…

 

Musica lhena toda de amor

Mismo que se venga del dolor

Esto es el tango desnudado

Y por eso siempre tan amado…

 

 

Por outro lado, o meu gosto pela música brasileira, notadamente pelo samba, pela bossa nova, e a  incrível admiração que sempre nutri pelos poetas de origem humilde,  que constroem suas músicas — verdadeiras obras de arte — nas rodas de samba, nas mesas dos bares, especialmente nos morros cariocas, levou-me a construir…

 

NO MORRO

 

Queria ter no morro nascido

E bem no alto ter vivido

E ali, também, experimentado

A visão que tem o Cristo prateado

Das montanhas esculpidas no ar

E recortadas pela invasão do mar…

 

Queria ter no morro nascido

E com os poetas convivido

Sentindo-me outro bamba

Misturado nas rodas de samba

Vendo as mulatas a requebrar

Com as músicas criadas no bar…

 

Queria ter nascido no morro

Sem precisar pedir socorro

Para de lá nunca sair

E meu peito continuar a sentir

O prazer que se tem ao cantar

O verde dos montes e o azul do mar…

 

As relações de amizade que decorrem do convívio das pessoas em ocasiões alegres e saudáveis, como, por exemplo, a praia ou a beira da piscina, sob o sol escaldante, podem acabar proporcionando a criação de poemas,  espontaneamente ou a pedido de algum amigo ou amiga, como aconteceu no último…

 

VERÃO ABENÇOADO

 

– Como o sol está quente!

E vai queimando a gente

Já de manhã, bem cedinho

Enquanto se busca o carinho

De algum amigo querido,

Que queira manter dividido

Um pedaço na beira da piscina

Olhando a água, que molha e fascina…

 

– E como o sol está quente!

O rosado do corpo não mente

Imperioso é se reconhecer

Que o calor tem encanto e poder

De moldar e soldar amizade

Entre pessoas de qualquer idade

A se descobrirem nessa mesma hora

No bate-papo e jogando conversa fora…

 

– E ele ainda está muito quente!

Então se percebe, num repente

Porque, como Rá, já foi deus

Confundiu-se com Júpiter e Zeus,

E foi venerado por Incas e Maias…

Mas no Brasil faz milagre diferente

E deixa todo o povo contente

Ao iluminar as mulheres nas praias…

 

– Que bom é sentir o sol quente!

Assim se conhece mais gente,

Gente que entra no coração

Tornando mais linda a estação.

Aos poucos, sem querer, os achamos

E alegres nos olhos miramos

Os amigos que temos buscado

E encontramos no verão abençoado.

 

Mudando de um pólo a outro, e voltando a falar em sedução, pode ela ser originada até por coisas materiais, por entidades,  instituições, como, por exemplo, religiões, crenças ou até mesmo, num pais como o nosso, equipes futebolísticas. Dentre estas existe uma que, seja a favor ou contra, a todos seduz: quem não torce por ela, torce contra ela, mas sempre com a mesma força e o mesmo ardor.

 

É sempre o adversário a ser batido e principal contendor de todos os outros times. Tal sedução coletiva e global fez-me criar a…

 

TRANCENDENTAL PAIXÃO

 

Não há o que justifique e nem é um problema,

Impressão que é única de qual lado se esteja,

Quando todos se envolvem num mesmo dilema,

Seja ódio ou amor a sensação que sobeja.

 

Sem saber bem porque, há aqueles que amam,

E sabendo porque, também há os que odeiam…

Quem detesta tem horror de saber da vitória,

E quem ama só pensa em construir a história.

 

Por que odiar e por que amar tanto?

Essa mescla de raiva e afeto, é sublime.

Luta empolgante que a ninguém exime,

Do sofrer, do querer, do viver e do pranto.

 

Pouco importa o tempo, o lugar, o momento,

Em metades iguais parte-se o sentimento,

Para uns é fascínio, é calor, é encanto,

Para os outros é inveja, é dor, desencanto.

 

Não se pode explicar como o foco de tudo,

Seja um time, uma equipe, um conjunto de gente,

Com camisa, uniforme; tudo muito atraente,

E a glória da garra em defesa do escudo.

 

Há, também, lindo hino que a todos embala,

E outras músicas que brotam da fé da torcida,

Bando louco que chora e que ri pela vida

E nem diante da perda se dobra ou se cala.

 

Paira acima de tudo, não há bem e nem mal,

É uma fábula, é uma lenda alcunhada Timão.

Não se sabe o que, nem porque da razão

Da existência de senso tão transcendental.

 

Loucura a encher até mentes mais sãs,

É louvor, oração, reza brava e umbanda,

De uma parte, de outra, desta ou daquela banda,

Prá que perca ou vença, preces certas ou vãs.

 

Todo peito que, dentro, traga um coração,

A bater muito forte, no sentido que for,

Sangue quente fervendo de ódio ou amor,

Tem por ti, meu Corinthians, a mesma paixão!

 

Não importa para que equipe se torça, nem mesmo se se ganha ou se perde, o que vale é lutar — e não brigar — por suas cores, divertir-se com o futebol, prazer disponível para todo o nosso povo, democrática paixão que alguns deturparam e que a nós todos cabe resgatar. Não se deve dividir. O que se deve, sempre, é somar.

 

Por isso é que finalizo com um cartão de Natal que a todos os amigos envio a cada ano, esperando que, também no em que este livro esteja sendo lido, o que nele digo, realmente, aconteça…

 

SOMAMOS

 

Mais um ano… Juntos o navegamos,

Por águas turvas ou claras,

Mas prosseguimos.

Algumas flores,  tantos espinhos,

Caminho duro o que encontramos,

Mas das pessoas não desistimos

E agora os afagamos,

Rogando bênçãos à Luz Divina

E que, em outro ano, nossos destinos

Sigam juntos – é o que queremos,

Mostrando a Deus que merecemos,

Porque gente unimos,

Porque amigos somamos!